Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Tributo a profissionais de saúde, ‘Sob Pressão’ defende a saúde pública e a ciência

Evandro (Júlio Andrade) se restabelece após difícil luta contra a Covid, ao som de canção inédita de Gil e Chico / Reproduçao

O conturbado ano de 2020 ainda não acabou, mas é previsível que nenhum filme, série ou documentário há de superar a excelência dos dois episódios especiais de “Sob Pressão – Plantão Covid”, que a Globo acabou de apresentar nesta terça-feira (13). O enredo foi selado com uma corajosa defesa da saúde pública e da ciência, na voz do herói da série, Evandro (Julio Andrade), que passou pelos piores momentos de sua trajetória até aqui.

“Quem trabalha aqui dentro vê a vida de outra maneira. A gente precisa defender a saúde pública. A gente precisa acreditar na ciência. Só assim teremos um mundo mais justo”, disse Evandro, para a comoção de Carolina (Marjorie Estiano), Décio (Bruno Garcia) e equipe.

Ao final, um slide ocupou a tela para avisar que a produção foi uma homenagem aos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus.

Antes que pudéssemos aplaudir a recuperação do doutor Evandro, era de se imaginar que ninguém seria doido de matar o protagonista do programa, mesmo porque há pelo menos mais uma temporada à nossa espera, a 4ª, praticamente pronta no papel. Mas olhe que o espectador sofreu para ver o homem superar a Covid-19, com direito a intubação e cirurgia de emergência no meio do apagão do nosso MacGyer do SUS, como os roteiristas chamam o personagem.

A “ressurreição” de Evandro foi embalada por uma canção inédita mantida como tal até o momento da exibição deste segundo episódio, unindo Chico Buarque e Gilberto Gil, dois representantes de algumas das mais belas parcerias da música brasileira. A letra zomba dos tolos que duvidam da ciência, do jogo de verdades e mentiras lançado no contexto da pandemia e da urgência de viver a vida agora. Segue aqui uma prévia da letra e, abaixo, um clipe gravado especialmente com imagens dos músicos em estúdio e editado com imagens dos episódios da série.

“A febre, seus fantasmas, seus terrores […] A besta avança pelos corredores / O médico caminha com cautela / Estuda as artimanhas do inimigo / A enfermeira brava vence o medo / Pouco lhe importa a extensão do perigo […] Só sei que é preciso acreditar / Fazemos todos parte dessa história / Mesmo que os tontos blefem com a morte, num jogo de verdades e mentiras / Um jogo duplo de azar e sorte / A ciência abre as suas asas / A esperança à frente como um guia / Com São João na reza, a pajelança / A intervenção de Xangô na magia […] O sol da aurora secando o pulmão […] Desembarcar do trem da pandemia Pra fazer da rima arredondada / O rompante final de uma alegria / Vamos em frente amigo, vamos embora / Vamos tomar aquela talagada, vamos cantar que a vida e só agora ]…]”

 

Com roteiro final de Lucas Paraízo, que escreveu os episódios com Marcio Alemão, Flavio Araujo e Pedro Riguetti, e a preciosa consultoria do médico Marcio Maranhão,  os episódios conseguiram sintetizar boa parte das aflições que nortearam esse período de pandemia, como as notícias falsas sobre possíveis curas, a descrença na letalidade do vírus, a angústia da medicina diante de um inimigo desconhecido e sem prazo para matar, e a revolta de pacientes que colocam a ciência em cheque para duvidar da eficiência da medicina.

Estava tudo ali, até o dilema de escolher qual paciente salvar, por idade ou não, diante da falta de respiradores para todos, paciente que parecia bem intubado de repente e paciente que não resistiu a todas as tentativas de acerto médico.

Estava também Stepan Nercessian, em flashback que transformou Evandro em Ravel Andrade, irmão mais novo de Júlio, sem que o veterano parecesse tão mais novo no foco. Nercessian foi, quando muito, maquiado por uma tinta escura na farta cabeleira. Vá lá, foi um meio de não deixar de fora desses episódios, ápice de uma das melhores séries já feitas para a TV no Brasil, um dos nomes centrais no mérito alcançado pelo título em suas duas temporadas iniciais, até a morte do personagem, Samuel.

A direção de Andrucha Waddington levou o espectador para dentro de um hospital de campanha, onde as câmeras do jornalismo não puderam chegar no auge da crise sanitária. Embora ficcional, a cenografia foi toda erguida com base nos relatos do consultor da série, Márcio Maranhão, que esteve na linha de frente do combate à doença na vida real, tendo ele mesmo sido vítima de infecção.

Parceria entre a Globo e a produtora Conspiração (onde o livro de Maranhão foi transformado primeiro em filme para depois virar série na TV), “Sob Pressão – Plantão Covid”  promete levar a produção aos mais concorridos prêmios internacionais. Antes mesmo desses especiais, Marjorie Estiano já estava indicada pela 2ª vez consecutiva ao Emmy Internacional como melhor atriz, pela série -o resultado sai em novembro.

Mais importante que as estatuetas e medalhas a conquistar, no entanto, terá sido a sua contribuição para que este momento não seja engolido pela banalização de um noticiário que já vai se habituando a ouvir falar em dezenas de milhares de vítimas, risco que cresce com a gritaria dos negacionistas, os “tolos” de que Gil e Chico falam na canção.

 

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Cristina Padiglione

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