Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Instituto Alana denuncia Corrida Cartoon por incentivo ao consumo

Imagem de uma edição da Corrida Cartoon, evento que acontece anualmente, em São Paulo e no Rio

O programa Criança e Consumo, iniciativa do Instituto Alana, denunciou o canal Cartoon Network à Defensoria Pública do Rio de Janeiro pela promoção da Corrida Cartoon, tradicional evento do canal, que propõe a pais e filhos correrem juntos em uma grande festa anual.

O Alana entende que o evento, por meio de seus patrocinadores, direciona mensagens comerciais às crianças, o que fere as restrições impostas pela publicidade no Brasil. Não é que produtos infantis não possam ser promovidos, mas seu direcionamento deve ser feito sempre aos pais, e não às crianças, que não têm maturidade para discernir publicidade de entretenimento nesses casos em que as duas coisas se misturam.

O Cartoon se defende. Por meio de comunicado enviado ao TelePadi, informa que “toda comunicação e interação da Corrida é sempre dirigida aos pais, cabendo a eles a tomada de decisão de participar ou não do evento.” A presença dos pais ou de responsáveis adultos é fator essencial na participação da criança na corrida. Já o evento que cerca a maratona é aberto a quem quiser participar, sem necessidade de inscrição.

“O evento em si não é um problema, a gente sabe que os personagens estão socializando com as crianças, e mesmo que houvesse uma publicidade, não tem problema: o problema é o uso desse tipo de estratégia para fazer publicidade para criança”, diz a advogada Lívia Cattaruzzi, do Alana, em contato com o TelePadi.

“Nos eventos, os personagens se misturam às marcas, como o Solzinho da Ri-Happy. Muitas vezes, a criança não sabe que aquilo é de uma marca. Até os 8 anos, a criança não diferencia publicidade de conteúdo”, completa. Para Lívia, a questão é criar um evento com fins mercadológicos.

Na nota enviada ao blog, o Cartoon alega que “a Corrida Cartoon é um evento que busca promover o esporte ao ar livre, o relacionamento familiar e, acima de tudo, a diversão.”

Tenho frequentado a Corrida Cartoon com meus filhos nos últimos quatro anos. De fato é um evento repleto de marcas, com camiseta que parece outdoor, mas também uma estrutura que não poderia ser custeada só com os cento e tantos reais cobrados de cada par para correr. Nos anos em que estive presente, o evento aconteceu no Jóquei Clube de São Paulo, na USP e no Campo de Marte, sempre com espaços muito generosos e uma série de brinquedos – mas com filas de perder o ânimo.

Para a advogada do Alana, é compreensível que a realização de um evento desse porte dependa de patrocinadores, mas não que a criança entre em contato com as marcas, ao receber o kit da corrida, ou que personagens se misturem às marcas durante o acontecimento.

O Cartoon argumenta que os kits (onde estão o chip para mensurar o tempo de corrida, o número do candidato e os alfinetes para colocar na camiseta, as camisetas, a pulseira em elástico que une a criança ao responsável e alguns brindes) são direcionados aos pais. E mesmo que não estejamos falando de um programa de TV ou de internet, onde se daria a infração de publicidade dirigida a crianças, o caso esbarra em evento promovido pela TV, onde a publicidade é farta e altamente integrada ao entretenimento.

A discussão não se encerra aí. O debate é necessário para que, de um lado, abusos não sejam cometidos no incentivo ao consumo, e de outro, para que não se aborte um evento bacana por falta de financiamento.

Como canal de conteúdo que se permite ultrapassar conceitos politicamente corretos para dar à criança uma dimensão menos maniqueísta de “bem X mal” ou de “certo X errado”, o Cartoon tem conseguido manter alguma atenção de uma geração que tem abandonado a TV e os personagens de animação em troca de youtubers. Em 2018, o canal fecha o ano como líder na TV paga e não só para crianças, mas na média da soma de todas as idades. Daí mais uma utilidade em incentivar esse público a abandonar o sedentarismo para correr junto com pai, mãe ou irmã(o) mais velha (o), de 1 a 2,5 km.

“Como todos os anos, a Turner, por meio do Cartoon Network, busca melhorias constantes para este evento, que já se tornou referência para as famílias, através de uma política de boas práticas na experiência que oferece ao seu público, isso inclui a interação das marcas com as famílias de forma responsável e supervisionada para a realização das atividades oferecidas, como percurso, as atrações de palco, etc.”, reforça a nota do Cartoon.

Livia, de novo, observa que o problema não é a exposição das marcas, “mas é de que forma elas se apresentam e como elas se comunicam com a criança”. Um exemplo claro de publicidade dirigida é a presença de um estande da Estrela ou da Ri-Happy onde a criança tem a possibilidade de brincar com todos os brinquedos daquela marca para ganhar um brinde do estande. “Isso é publicidade dirigida”, e nesse ponto, não há o que contestar.

HISTÓRICO

A denúncia do Alana só aconteceu após tentativas de entendimento com o canal. Em 31 de agosto, o Criança e Consumo enviou notificação ao canal pedindo o fim dessas práticas e se colocou à disposição para conversar sobre o efeito da influência de ações mercadológicas no processo de desenvolvimento das crianças. Em resposta, A Turner, programadora do Cartoon, afirmou que a corrida “não viola quaisquer dos direitos e garantias legais aplicáveis aos consumidores e, tampouco, ao público infantil”.

Segundo o Alana, foi diante da negativa do canal em solucionar questões que considera práticas abusivas que a denúncia foi encaminhada aos órgãos competentes.

“A promoção de momentos de lazer, que incentivem crianças a brincar e praticar esportes é de extrema importância. No entanto, o formato escolhido para a Corrida Cartoon faz com que, na verdade, o evento não passe de um enorme shopping a céu aberto, por meio do qual as empresas patrocinadoras e apoiadoras proporcionam ao público infantil, em meio a brincadeiras e atividades lúdicas, uma verdadeira experiência com suas marcas e produtos”, sustenta a advogada do Criança e Consumo.

O programa Criança e Consumo, do Alana, foi criado em 2006 e atua para divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas à publicidade dirigida às crianças, bem como apontar caminhos para minimizar e prevenir os malefícios decorrentes da comunicação mercadológica.

O Instituto Alana, criado em 1994, é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que aposta em programas que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância.

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Cristina Padiglione

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