Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Marcelo Tas rouba protagonismo de Adnet na repercussão do Roda Viva

Marcelo Adnet no Roda Viva. Foto: Reprodução

O Twitter não sossega desde o Roda Viva transmitido na noite de segunda-feira (17), ao vivo, com Marcelo Adnet no centro do programa da TV Cultura. Por mais de dez horas, Marcelo Tas, que compunha a bancada, e não o Marcelo entrevistado, esteve no topo dos assuntos mais comentados da rede de microblog, a mais conectada em TV (e também a mais agressiva no teor das postagens). O Twitter sofre de bílis em excesso.

Hélio de la Peña fez ótimas perguntas, as melhores, na minha percepção, mas o que repercute na rede é uma patinada infeliz de Marcelo Tas, por quem tenho profundo respeito e admiração, que fique claro.

Ao questionar Adnet sobre o risco de o humorista ver suas piadas perderem o impacto, ou “o fio da navalha”, como disse”, por se declarar “de esquerda”, Tas disse que Cuba e China não têm humoristas, provocando no entrevistado uma breve aula sobre ser de esquerda e ser comunista, discernindo Cuba desse contexto não por ser uma ditadura, mas por não ser progressista. O que tem a ver alhos com bugalhos, afinal?

Como disse Renato Terra no mesmo Twitter, Adnet poderia ter respondido a Tas imitando o professor Tibúrcio, tamanho didatismo da resposta.

É evidente que Tas sabe a distinção entre comunismo e progressismo, mas parecia tão à vontade na bancada, que foi impreciso e raso na formulação de um ponto que poderia ter rendido argumentos muito melhores.

Adnet disse entendê-lo em razão de as palavras estarem muito “contaminadas”, e de fato estão, mas a grita da internet vem do fato de o equívoco não combinar muito com o histórico de Tas, de quem se espera algum repertório, sempre. Talvez, fosse outro a questionar, o estranhamento seria menor.

Mesmo a intenção da pergunta, no entanto, já parte de uma premissa de que quem toma posição necessariamente põe em risco o tom crítico do ofício, seja o sujeito um humorista ou jornalista. Há em torno dessas figuras uma suspeita antecipada sobre sua honestidade intelectual, de uma forma que não existe em relação ao jornalista ou comentarista esportivo, por exemplo. Parece que só confiamos na isenção do  comunicador de esportes. Conhecemos os times de quase todos eles, mas não deixamos de considerar suas posições, principalmente quando destroem o próprio time.

Por que então achar que um jornalista de política ou um humorista não seria capaz de criticar os políticos em que vota ou com quem se identifica? Penso ser mais confiável conhecer as diretrizes de um Gregório Duvivier, que também se anuncia publicamente de esquerda, do que crer que Danilo Gentili ou Carioca são imparciais, isentos e que toda piada que vem deles é espontânea e apartidária.

É um erro acreditar que Adnet, ao se dizer de esquerda, põe a piada sob suspeita por supostamente favorecer um lado em detrimento de outro. Lula já rendeu ótimos momentos para o humor e agora, Bolsonaro, é quase uma piada pronta, como disse De La Peña, uma concorrência desleal aos humoristas.

E se o problema é tomar posição sob o risco de arrefecer o tom crítico da piada, por que citar Cuba e China ou Coreia do Norte? Só para prestar contas de que ele não é de esquerda? Por que não lembrar de Portugal ou de governos de esquerda que são democráticos? Por que associar a esquerda ao autoritarismo? Afinal, o problema é ter uma posição ou é ser de esquerda?

Foi um discurso truncado, provocou militantes e não militantes, e jogou areia num debate que poderia ter sido mais eficaz.

A questão de Tas irritou a bolha da esquerda de tal forma que ninguém se deu conta de que, em outra pergunta, a âncora Vera Magalhães botou na conta das acusações de assédio sofridas por Marcius Melhem, ex-colega e ex-superior de Adnet na Globo, o termo “sexual”. Até então, só se tinha, pelo menos publicamente, a informação de acusações de assédio de cunho “moral”. Nem a Globo nem Melhem nem a vítima (apenas Dani Calabresa não negou uma nota veiculada pelo colunista Léo Dias, e isso foi tudo) apresentaram uma posição sobre o assunto, ainda restrito aos bastidores da Globo.

De toda forma, convém notar que Adnet não refutou o termo “sexual” e até corroborou esse viés ao mencionar sua própria condição de vítima de abuso sexual na infância. Mas deixou claro que não tem conhecimento suficiente dos fatos para falar sobre o episódio.

Muito acima das controvérsias cubanas ou coreanas, destaco aqui uma ótima percepção de Adnet sobre a televisão, uma aula em poucas palavras sobre o delay que muitas vezes marca o veículo mais consumido do país. Essa definição, aliás, veio de uma outra questão de Tas, que assertivamente falou sobre a demora da TV em assimilar novas tendências, mas ignorou iniciativas atuais de humor  como o Zorra e o próprio Fora de Hora, sucessor do Tá no Ar, do qual Adnet faz parte, em cena e por trás dela, na criação.

Diz Adnet:

“Hoje em dia, temos medo de dar opinião, principalmente quando a gente está falando de marcas. A publicidade tem horror à opinião, e se a televisão é movida a dinheiro, e quem move esse dinheiro é a publicidade, a opinião é inimiga da televisão, de alguma forma. Então, pra ser opinativo no ambiente televisivo tem que dar uma volta em você mesmo muito grande, é difícil, é difícil ter esse espaço, e a opinião acaba afastando uma parte dos patrocinadores, que tem medo da opinião. Portanto é um sistema que ajuda a chapa branca, ajuda a não opinião. Além disso, há também na televisão uma grande responsabilidade envolvendo grandes empresas que a opinião de um indivíduo não pode se sobressair, não pode ser maior que a instituição, só se ele estiver num espaço em que ele possa opinar. Então, eu sinto que a televisão é um caminhãozão  subindo uma ladeira com ar ligado, ela é careta, ela demora pra se transformar, mas é esse canhão que aponta para o brasil de uma maneira que a a gente não sabe o que está do lado de lá, a gente não sabe o que é o publico brasileiro, o que ele pensa,o que ele faz, tentou-se descobrir ‘mas o público gosta disso? ‘aprova aquilo?’ e eu acho que nós nunca conseguimos acertar. E a televisão está em constante transformação, a internet não matou a televisão, a televisão não matou o jornal, que não matou o rádio, que não matou a janela. Acho que todos existem e um vai alimentando o outro e vai englobando o outro. Então, acho normal a televisão ter esse delay.”

Abaixo, o programa completo.

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Cristina Padiglione

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