Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Janete Clair teve 3 meses para criar e lançar ‘Pecado Capital’, novelão agora no GloboPlay

Betty Faria, a Lucinha, e Francisco Cuoco,o Carlão, na versão original de 'Pecado Capital", com abertura cantada por Paulinho da Viola

Considerada um clássico da telenovela brasileira, “Pecado Capital” (1975), título que o GloboPlay acaba de disponibilizar para os seus assinantes, foi criada e lançada em menos de três meses. A tomar como comparação os prazos vigentes hoje, quando os autores têm mais de um ano para desenvolver suas histórias até que as produções entrem em estúdio para de fato iniciar as gravações, o enredo do taxista que se vê diante do dilema de devolver ou não uma mala de dinheiro seria vencedora de uma gincana, ao melhor modo dos bons reality shows.

O elenco não só não teve qualquer chance de trabalhar a preparação dos personagens, como vinha trabalhando em papéis completamente diferentes nos meses anteriores. É que Carlão era, na verdade, Roque Santeiro. E Lucinha vestia, até poucos dias antes de se apresentar em “Pecado Capital”, os trajes excêntricos de Viúva Porcina. Salviano Lisboa era Sinhozinho Malta, como de fato veríamos dez anos depois, para a nossa sorte.

Francisco Cuoco, Betty Faria e Lima Duarte caíram de pára-quedas no recém-criado enredo de Janete Clair, convocada às pressas para criar uma história para a principal faixa de novelas da Globo, naquele tempo reservada à faixa das 20h. Inventar uma nova história foi a solução encontrada pela Globo para sanar o veto a “Roque Santeiro”, novela do marido de Janete, Dias Gomes, baseada na peça “O Berço do Herói”, proibida pela censura no mesmo dia em que iria ao ar. Cinco dias antes do lançamento, a censura, tesoura oficial daqueles dias de governo militar, proibiu a novela de ser veiculada às oito da noite, impondo-lhe a faixa das 22h.

Betty como Porcina, em 1975, ao lado de Lima Duarte, o Sinhozinho Malta /Divulgação

A Globo tentou renegociar e adiou a estreia em dois dias, espichando “Escalada”, que estava então no ar. Mas na queda de braço, a emissora saiu sem qualquer chance de colocar o folhetim na tela. A solução, melhor do que esticar um folhetim

É fascinante pensar como Carlão se tornou um dos melhores personagens –senão o melhor– da longa carreira de Francisco Cuoco, que acabou não voltando a ser Roque Santeiro dez anos depois,  quando a história de Dias Gomes finalmente pode ser produzida. Isso permitiu que José Wilker assumisse o papel, em uma escolha que depois se mostrou muito melhor.

Carlão foi o melhor para Cuoco, assim como Wilker era também opção melhor para Roque.

É também difícil imaginar Porcina como Betty Faria, que assim como Cuoco, não voltou para o set da novela em 1985 e deixou a isca para Regina Duarte, que também tem naquele papel uma das melhores performances de sua carreira. Em 2020, Betty declarou em entrevista a Pedro Bial que não quis reencontrar Porcina porque “odiava” a personagem.

“Eu odiava a viúva Porcina, eu achava ela de quinta, era uma pessoa detestável, ela hoje estaria naquele grupo que fica lá na frente do palácio da Alvorada, de bandeira, eu tinha implicância com ela”, disse a atriz. Hoje, sabemos, parece que Betty não estava de todo errada, mas, arte à parte da política, o fato é que Regina fez uma Porcina brilhante.

Roberto Matias, papel que ficou com Fábio Júnior em 1985, seria originalmente de Dennis Carvalho, também deslocado para “Pecado Capital”.

Composto especialmente para a novela, o belo tema de abertura de Paulinho da Viola também é obra-prima criada em tempo recorde, ditando que “dinheiro na mão é vendaval / na vida de um sonhador”.

DINHEIRO NA MÃO É VENDAVAL

“Pecado Capital” tem como tema a ambição de um motorista de táxi, a solidão de um rico empresário e o triângulo amoroso que eles formam com uma mulher. Carlão (Francisco Cuoco) é o motorista de táxi que se vê diante de um dilema ético ao deparar com o dinheiro de um assalto, que fora esquecido em seu carro por Eunice (Rosamaria Murtinho). Lucinha (Betty Faria) é uma jovem operária, noiva de Carlão, que se interessa pelo dono da empresa em que trabalha, Salviano Lisoa (Lima Duartwe), um fiúvo rico e solitário, pai de seis filhos.

Carlão se envolve com Eunice, que ao saber que ele ficou com o dinheiro do assalto, passa a chantageá-lo. Os dois se casam, mas Carlão, claro, ama Lucinha, que rompe com Carlão, a quem também ama, mas ceder aos encantos do patrão.

O elenco conta ainda com Marco Nanini, Luiz Armando Queiroz, Débora Duarte e João Carlos Barroso, entre outros. A Globo aproveitou também cenários já produzidos para “Roque Santeiro”, como faz agora, quase sem pudor, sob o pretexto da pandemia, em “Um Lugar ao Sol”, cheia de ocupar as dependências dos Estúdios Globo e residências feitas originalmente para a novela anterior.

O pátio interno da casa de Salviano era o mesmo da casa da viúva Porcina, com uma mão de outra tinta. A figurinista Marília Carneiro, como informa o Dicionário da TV Globo, saiu às ruas e trocou com gente como a gente peças novas por roupas do povo. E se você acha Cuoco magro nas cenas da novela, saiba que ele engordou para fazer o papel.

Outro mérito de “Pecado Capital” é ter sido a primeira novela com ousadia para matar seu herói no final, e a cena derradeira de Carlão é de uma poesia rara na fábrica de telenovelas brasileiras. Segundo Daniel Filho, então diretor de teledramaturgia da Globo à época e responsável diretamente pela produção, Lucinha e Carlão iriam ficar juntos  no final –ele, no típico desfecho do herói, sem ficar com o dinheiro. E Salviano seria o vilão. O diretor disse ter alertado Janete para o fato de que seria um contrassenso Lucinha se casar com Salviano se Carlão não morresse.

A autora resistiu em matar o personagem, temendo a reação do público, e o diretor atesta que houve de fato uma revolta do público, mas a morte de Carlão se mostrou uma redenção e comoveu o público.

Em 1998, a Globo refez “Pecado Capital”, com todo o planejamento e prazo que a versão original não teve. E não é que isso não assegurou à trama o mesmo sucesso da primeira versão?

Casal que demonstrou grande química em “Por Amor”, um ano antes, Eduardo Moscovis e Carolina Ferraz foram escalados para o par Carlão e Lucinha. Mas Carolina e Cuoco, escalado então para viver Salviano, não alcançaram o mesmo êxito de Betty e Lima em 75.

No remake, a canção de Paulinho da Viola voltou, então na voz de Alexandre Pires.

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Cristina Padiglione

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