Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

José Mayer errou, mas não parece ser o Judas que temos de malhar

José Mayer e sua cruz, com Denise Milfont, na minissérie 'O Pagador de Promessas' /Divulgação

A Globo distribuiu, na noite desta terça, um comunicado em que informa que após mais de 35 anos de parceria contínua, encerrou seu compromisso contratual com o ator José Mayer. Desde março de 2017, quase dois anos até aqui, ele enfrentava uma geladeira por ter sido acusado pela figurinista Su Tonani de assédio sexual.

Antes que me crucifiquem, não estou com peninha do Mayer. Se ele pediu desculpas a Su Tonani, que o acusou de tocar sua genitália na frente de outras pessoas do elenco da novela “A Lei do Amor”, sem qualquer restrição ao texto por ela publicado em primeira pessoa no blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha, nem há o que discutir. Errou. Errou feio.

E como não sou o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, para quem um pedido de desculpas pode absolver todo o mal causado, nem padre, para me  contentar com três Ave-Marias e dois Pai-Nossos de penitência, penso que ele deve de fato pagar um preço pela besteira que protagonizou.

Mas, nesse universo em que todos os valores merecem ser revistos e a cultura misógina e machista deve ser defenestrada, vamos e venhamos: Mayer não é nenhum Kevin Spacey. À denúncia da figurinista, não se seguiram mais vinte acusações sobre tal comportamento. Houve uma frase sugestiva da atriz Letícia Sabatella, com quem Mayer contracenou na linda minissérie “Agosto”, de Rubem Fonseca – “O Zé não toma jeito”, disse ela. E nada mais.

Em quase dois anos, teriam surgido outras denúncias, fosse esse um caso perdido. Houve apoio de muitos colegas. Betty Faria disse que Mayer “é um gentleman”. Tony Ramos falou que nunca notou no comportamento do colega qualquer tendência em assediar profissionais da emissora. O autor Aguinaldo Silva defendeu, por mais de uma ocasião, que Mayer deveria voltar a atuar.

Durante o período em que ficou fora de produções inéditas, Mayer não pode simplesmente desaparecer do vídeo. Tendo feito 40 obras em 35 anos de parceria com a Globo, esteve em reprises do “Vale a Pena Ver de Novo”, como “Senhora do Destino”, e do canal Viva, como “Tieta” e “Fera Radical”. É impossível apagá-lo de tudo de um minuto para o outro, como fizeram com Frank Underwood em “House of Cards”.

Digo sempre que alguém como Spacey, que persiste em um comportamento de assédio com tanta frequência, sempre tem suas atitudes conhecidas por seus contratantes. Mas só será eliminado se alguém abrir a boca, como aconteceu com ele.

Mayer não era do tipo que todos identificassem como assediador – e há alguns deles muito conhecidos nos bastidores da Globo, até por quem não trabalha lá dentro, como eu, que já ouviu mais de uma história sobre pelo menos dois diretores de novelas, em relação a homens.  Podem me perguntar por que não os denuncio. E logo respondo: Não tenho como provar, evidentemente. E se quem foi vítima disso não se manifestou, quem sou eu para tocar no assunto?

De toda forma, é muita hipocrisia fingir que só se conheceu o comportamento de assédio de fulano ou beltrano depois que alguém o denunciou. Mayer não era um desses conhecidos assediadores.

O ator, de certa forma, enquadrou-se em alguns dos personagens que o tornaram tão querido, como o misógino Pedro, de “Laços de Família” (2000).

Talvez essa ladainha toda resuma só a tristeza de ver alguém que deu vida a tantos personagens ser malhado como Judas, na sede de fazer alguém pagar pelo teste do sofá de tantos outros.

Quero crer que o nosso Zé do Burro (meu personagem predileto na pele de Mayer, da minissérie “O Pagador de Promessas”, de 1988, de Dias Gomes) ainda mereça uma chance.

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Cristina Padiglione

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