Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Lázaro Ramos vai além de diagnósticos na 13ª temporada de seu ‘Espelho’, no Canal Brasil

Lázaro e dona Diva, professora que conheceu na Flip: 'Chorei uma hora e meia'

Lázaro Ramos parte para a 13ª temporada do “Espelho”, o mais longevo programa de entrevistas da TV paga no Brasil, disposto a encontrar caminhos para as mazelas do país. Dito assim, parece pretensioso, mas, quem conhece o programa bem sabe qual o teor de sua profundidade em termos de reflexão, ideias e diagnósticos sobre as questões brasileiras.

“Acho que a marca desta temporada é falar do tempo que a gente vive”, disse o ator ao TelePadi, pouco antes de engatar uma roda de conversa com Andréia Horta, Crioulo e a diretora desta temporada, Juliana Vicente, sobre o programa, no bairro de Botafogo, no Rio.

“A nossa tentativa este ano foi: ‘pô, a gente tá cheio de problema no Brasil – político, de segurança, social, de relação. A gente vai ficar aqui só diagnosticando?’ Não. A nossa tentativa este ano é tentar oferecer alternativas para as questões do Brasil. Tem uma pergunta que guia a temporada. Todos os entrevistados responderam à mesma pergunta, que é uma tentativa de a gente iluminar as questões. A pergunta é: ‘O que é que você quer dizer de novo para o mundo?’ Aí, cada um usa se é ‘de novo’ de ‘novamente’ ou ‘de novo’ de ‘novidade’. E, a partir dessa pergunta, a gente vai tentando construir alternativas, porque, durante 13 anos, em alguns dos programas, você acaba falando muito do diagnóstico, né? É inevitável: você fica diagnosticando, diagnosticando, mas depois do diagnóstico, tem que tentar encontrar alguma cura para as mazelas que a gente tem.”

Para Lázaro, as entrevistas foram “maduras”. “Não tem nem uma forma, nem uma receita, mas tem tentativas de encontrar conexões de comunicação. Isso é uma sensação geral de todos os entrevistados: que a gente está precisando voltar para a conversa, e não pra frases aleatórias, que propagam ideias e que não se conectam, que não faz com que as pessoas se conectem. Isso é um sentimento geral, mas algumas entrevistas acho que são autoexplicativas pela emoção que as conduziu”.

Dona Diva: da Flip para o ‘Espelho’

Por exemplo? Dona Diva Guimarães, 78 anos, a professora que Lázaro conheceu na última edição da FLIP, quando ela se levantou da plateia para fazer uma pergunta durante um painel de que o ator participava, e comoveu a todos com um depoimento sobre a relevância da educação e como o ensino salvou sua vida. “Eu inclusive não lembro direito como é a entrevista”, conta Lázaro, “porque eu faço uma pergunta e choro por uma hora e meia (risos). Não é exatamente isso, mas eu fiquei muito emocionado porque ela falou, ela falou por uma hora e meia. Ela tem muita coisa pra dizer, e a gente fica ouvindo.”

Ouvir. O exercício, tão em falta hoje em dia, é um valor do “Espelho” notado por Andréia Horta, que além de compor a roda de conversa em Botafogo, é uma das entrevistadas desta temporada. “É muito bonito quando você escuta”, ela disse a ele.

Em um pequeno trecho da entrevista, exibido na ocasião, Andréia lembra que desde criança, em Juiz de Fora (MG), queria ser atriz. “A gente era pobre, e quando eu dizia que queria ser atriz, as pessoas faziam ‘ah, tá’, como se pobre nem pudesse sonhar”, fala. Na conversa, Crioulo e Lázaro completam o significado do que Andréia disse. “é como dizer ao pobre que ele não pode sonhar com mais nada que não seja comer, se ele nem tem o que comer, vai sonhar com o quê?”

Com Fernanda Torres, uma das entrevistas da temporada

Outra entrevista que Lázaro cita é com Fernanda Torres, que contou ter a opção de construir heróis falhos em seus livros. “Quando ela fala que escolhe personagens que erraram, que são falhos, e que por isso são tão interessantes, é uma opção dessa autora, tão talentosa quanto ela é, que optou por não contar um herói, que vai vencer, que é perfeito, mas o herói falho, que somos todos nós, isso também é uma maneira de falar das nossas questões.”

Com 26 episódios e 32 entrevistas – alguns episódios são “duplos”, conta o ator – a safra da vez destaca ainda o rabino e escritor Nilton Bonder, Baby do Brasil, Caetano e Zeca Veloso, Mônica Iozzi, Bela Gil, Djamila Ribeiro, Tatiana Nascimento, Leda Nagle, Augusto Cury, Cacau Protásio e Ícaro Silva, entre outros tantos.

Com Caetano e Zeca Veloso

Racismo, Marielle, orgulho negro

Ao gravar 26 episódios antes de colocar o primeiro no ar, Lázaro está calçado pela discussão de ideias para que os programas não sejam perecíveis e consigam, assim, escapar da condição datada para irem ao ar até o fim do ano. “O exercício que a gente faz ao longo de 13 anos é falar sobre ideias, e as ideias permanecem. É muito difícil você datar uma ideia, é por isso que às vezes a gente não divulga a data do espetáculo da pessoa.  Mas quando você discute ideias, pensamentos, isso vale para além.”

A questão de Marielle Franco, por exemplo, não estará nominalmente citada, já que ocorreu após o fim das gravações, mas estamos falando de um programa que tem tudo a ver com a militância da vereadora do PSOL morta no Rio há poucos dias. “As ideias que ela defendia estarão aqui retratadas, como sempre estiveram. A questão negra, da violência, essa pauta sempre esteve no ‘Espelho’. Este ano, além de falar disso, a gente procurou pensar nas dificuldades para se enfrentar esses assuntos. Quando você fala de violência e de direitos humanos, não tem como não colocar nessa conversa o medo que as pessoas estão sentindo também. Isso faz parte da conversa, a gente tem que falar sobre isso.”

“Esse medo”, continua Lázaro, “faz com que algumas  pessoas digam frases que não são agregadoras, frases que também são violentas, que partam de um medo. Às vezes, a gente não vai ter a solução e o bacana é isso: quando você conversa e vê todos os lados da questão, você se sente parte do assunto, nenhuma questão que nós temos vai ser revolvida por uma única pessoa.”

William Waack e aluno da GV

Quando questiono Lázaro sobre a esperança de que algumas ações recentes estejam obrigando a sociedade a repensar sua relação com o negro e a reconhecer a grande dose de racismo que até bem pouco tempo atrás parecia tão mais velada, ele não se limita a responder em uma  frase. Menciono o caso de William Waack, que teve um áudio vazado em que dizia “coisa de preto“, o que resultou em sua saída da Globo, intolerante com o episódio, e a recente suspensão do aluno da FGV, que postou em grupo do Whatsapp a imagem de um outro aluno negro com a frase: “encontrei um escravo no fumódromo”.

Afinal, temos esperança de encontrar dias melhores diante do reconhecimento de uma cultura impregnada de racismo e da coragem de muitos que agora denunciam ações racistas?

“Pra mim é muito difícil responder isso com frase curtas. Como eu produzo muita coisa sobre esse assunto, eu sou um ator, um comunicador, e acho que faço bem isso. Acho que eu posso tentar usar o meu ofício pra tentar iluminar direções nessa questão. Tudo o que eu faça é para dizer ‘olha o outro como potência’, ‘olha o outro como lugar de depositar afeto’. É alguma coisa que parece pouco, parece que é ingênua, mas não é. Quando você estimula o afeto do outro como uma potência e não como algo a ser rejeitado, isso faz com que se abram caminhos. Eu tenho visto muito isso no resultado do meu livro, o ‘Na Minha Pele’. É um livro que ultrapassou barreiras de ter um público pequeno. Por quê? Porque quando a gente optou por fazer esse livro, eu falei: ‘quero fazer ele de uma maneira acolhedora’. E ao mesmo tempo, apontar o dedo pra isso aí e dizer: ‘olha, isso aí tá ruim, a gente tem que rever um posicionamento’. Acho que tem outras estratégias pelas quais as pessoas optam. A minha opção é essa.  É revelar coisas, mas sempre tentando colocar o afeto e a potência como meio de conexão. E é importante falar isso, porque às vezes a gente fala desses assuntos só na demanda da dor e na demanda da reparação social. São dados importantes, mas a gente tem que falar também em afeto, porque o afeto é o que faz com que nós nos percebamos como humanos, como o outro, com fragilidades, qualidades e defeitos. Essa é a minha tentativa. Se você for ver o ‘Espelho’, tem muito esse negócio assim: vamos agora tentar nos escutar? Vamos entender qual é a dor do outro? Vamos tentar encontrar algum humor? Eu não vou sentir exatamente na pele como o outro sente, mas oferecer um ouvido, uma escuta, prestar atenção em alguém já é um caminho de aproximação. Mas a conta não é muito precisa.”

O ator sabe também que a raiva e a mágoa não aparecem de forma isolada, elas caminham junto com as conquistas e o orgulho de ser negro, como tem observado na militância pela causa, dentro e fora do “Espelho”, que carrega vida real para a tela do Canal Brasil.

Em tempo: a 13ª temporada estreia nesta segunda, às 21h30, com reprises terças, às 13h, e domingos às 15h30. Isso é na TV linear. No NOW, plataforma sob demanda da NET/Claro TV, já há 13 episódios (metade da temporada) disponíveis. No Canal Brasil Play, há os três primeiros episódios, também abertos no canal do Canal Brasil no YouTube, já que este é um programa para chegar a muito mais ouvidos do que assinantes de TV.

FICHA TÉCNICA

Concepção: Lázaro Ramos

Direção: Juliana Vicente

Produção: Lata Filmes

Convidados 2018 em ordem de exibição: Diva Guimarães; Caetano e Zeca Veloso; Fernanda Torres; Djamila Ribeiro e Tatiana Nascimento; Gina Vieira; Rincon Sapiência; Fernanda Gentil; Di Melo; Cacau Protásio; Larissa Luz e Ícaro Silva; Débora Falabella; Nilza Barbosa; Leda Nagle; Silvio Guindane; Maria Rita; Cid Bento; Bela Gil; Robson Nunes; Cláudio Prado; Karol Conka; Mônica Iozzi; Aderbal Freire Filho; Baby do Brasil; Andréia Horta; Augusto Cury e Nilton Bonder; e Ana Maria Gonçalves.

 

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Cristina Padiglione

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