Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Legados da pandemia para a TV, um ano depois

Auditórios aderiram às plateias virtuais / Reprodução Domingão do Faustão

Na próxima segunda-feira (15), exatamente no dia em que a CNN Brasil completa um ano no ar, concluímos também o primeiro aniversário da TV em tempos de pandemia. Foi nesta data, em 2020, que o Domingão do Faustão foi ao ar sem plateia pela primeira vez. Na época, nem as janelinhas de público que hoje aplaudem o programa existiam, já que a mudança foi medida de emergência, tomada três dias antes.

Há um ano, a suspensão das gravações de novelas dava o tom da gravidade da Covid-19, algo que nunca havia ocorrido antes. Esperávamos uma pausa de três meses, quando muito, jamais a ideia de que estaríamos em condições sanitárias muito piores um ano depois.

Fato é que a TV, a duras penas, teve de se reinventar nas reprises. Os reality shows se tornaram uma possibilidade mais viável, já que não carecem de plateia presencial para exibirem seus maiores atrativos, geram engajamento nas redes sociais e podem confinar seu elenco em um só cenário por três meses.

O público nunca consumiu tanto vídeo, como apontou recente estudo da Kantar Ibope.

E os telejornais, como bem disse Mauricio Stycer na Folha desta quinta (10), tiveram sua chance de desempatar esse jogo, trazendo aquilo que pode ajudar neste momento: informação em dias de negacionismo.

Record, SBT e RedeTV!, muito ocupadas e preocupadas em não desagradar o presidente Jair Bolsonaro, perderam boas chances de fazerem a diferença, mas é preciso dizer que a Record foi muito bem em audiência no seu noticiário carro-chefe, ao contrário do SBT, que perdeu público.

Sem campeonatos esportivos por metade do ano, e agora voltamos a ter de suspender o futebol, séries, noticiários e games se multiplicaram nas telas do público.

A Globo descobriu na extensão do Jornal Hoje um remédio bem mais eficiente contra as fofocas da Hora da Venenosa, da Record, que derrubou o Vídeo Show e a edição diária do Se Joga.

Os canais inventaram as janelinhas nos auditórios, com plateia virtual ligada em programas como Domingão do Faustão, Altas Horas e Que História é Essa, Porchat?

Aprenderam a fazer cenas de novelas e outros programas, como The Voice, com placas de acrílico entre dois ou três interlocutores.

No jornalismo e nas entrevistas de Pedro Bial, as restrições incentivaram grandes conversas remotas e encurtaram distâncias, em nome da informação.

Mas, ao mesmo tempo em que a desgraça da vida real foi se alastrando, o humor na TV murchou. Record e Band, que nunca tiveram no riso o seu forte, ficaram onde estavam. A Globo produziu alguma coisa para o Zorra e fez uma última temporada da “Escolinha”, sob muitas restrições. Mas, no volume de produções, como toda aconteceu a toda a teledramaturgia, a graça também se reduziu.

Na internet, no entanto, o Porta dos Fundos e Marcelo Adnet mais uma vez mostraram que sempre é possível fazer rir, e foi a e web que nos salvou de overdose de Rivotril, com suas trezentas lives por dia e esquetes de humor que a TV não soube tocar.

Na HBO, o Greg News honrou seu espaço diretamente de sua casa, absorvendo a vasta oferta da vida real para promover reflexão por meio do sarcasmo, algo que faltou na TV de modo geral.

Com todas as dificuldades da pandemia, duas produções merecem aplausos extras: a série “Amor e Sorte”, que deu a casais e familiares a chance de realizar grandes cenas em casa, com monitoramento de profissionais do ramo a distância, e “Sob Pressão – Plantão Covid”, onde usar máscara fazia parte do figurino, mas representou um desafio para a atuação do elenco.

Um ano depois, cá estamos, de novo suspendendo gravações de novelas, programas de humor e os aviõezinhos de cédulas de dinheiro do Silvio Santos, para esperar a pior onda se arrefecer, enquanto uma operação de vacinação em câmera lenta, para não dizer congelada, oferece a esperança de dias melhores.

Lições da pandemia:

  1. Informação é saúde e seu conteúdo se sobressai à fórmula: se não é possível ir ao entrevistado, façamos valer as conexões que a tecnologia nos oferece. Demos uma chance, bem aproveitada, às telechamadas.
  2. Programas diários de entretenimento em tempos de alta demanda por informação aceleraram a tendência de incorporar notícia ao show, vide Fátima Bernardes, Ana Maria Braga, César Filho e cia.
  3. Nesse mesmo contexto, um telejornal pode valer mais que uma revista de entretenimento.
  4. O meio fonográfico pode sobreviver sem dependência direta da TV, mas a TV pode se valer das cenas produzidas via internet (as lives) para abastecer seu conteúdo.
  5. Programa de auditório sem auditório tem lá suas soluções. Viva o sistema de janelinhas.
  6. Uma reprise na hora certa no lugar certo pode operar audiências maiores que cenas inéditas, desde que a concentração de gente confinada em casa colabore para engrossar o coro.
  7. Produzir humor por meio de videoconferência demanda mais criatividade para superar a falta de estrutura de produção. Vale caprichar no texto e na atuação, sem sofrer pelo acabamento da imagem. É um grande exercício.
  8. Por fim, para tudo, vale a máxima de que conteúdo é mais que forma, mas nem por isso se deve ignorar o efeito que uma iluminação bem cuidada provoca na capacidade de atrair a atenção do espectador.

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Cristina Padiglione

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