Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Lei do Amor’ carrega nas tintas maniqueístas e audiência aplaude

Tião Bezerra era um sujeito mau, muito mau, mas só o público e sua digníssima esposa, Helô, conheciam suas perversidades na novela “A Lei do Amor”. Mesmo Helô, personagem de Cláudia Abreu, tomou um choque ao perceber que o marido a enganou, ainda na primeira semana da novela das 9.

No capítulo desta quarta, dia 30, dois meses depois da estreia, o personagem de José Mayer expulsou a namorada do filho de sua casa, chamando-a de “biscate”. Disse ao garoto que ele era “hóspede” seu, texto que, vindo de um pai, só poderia ser de um homem sórdido, escroque, mau, muito mau. No capítulo desta quinta, Mayer destruiu a galeria de arte de Helô, numa cena que promete entrar para a antologia da telenovela, arremessando peças delicadas com o prazer de um demônio, enquanto cantava a canção “Que nem Jiló”, de Luiz Gonzaga. Afinado, viu? Foi um belo espetáculo, o solo de Mayer: bem escrito, bem interpretado, bem dirigido, bem editado. Mas algo que causa espécie a quem esperava ter algum privilégio como testemunha única do mal praticado por Tião. Achávamos, nós, telespectadores mortais, que sua perversidade não chegaria tão explicitamente ao conhecimento dos demais personagens, e que só nós conheceríamos seu verdadeiro caráter. Era o tom “Hitchckokiano”, como prometeram a autora Maria Adelaide Amaral e a diretora Denise Saraceni, antes da estreia.

Tião saiu rasgando. Nada implícito, ao contrário. Em poucos capítulos, vai bater na amante, podendo ser enquadrado na Lei Maria da Penha. O cara é um monstro.

O mal é escancarado também nos conchavos entre Ciro (Thiago Lacerda) e Magnólia (Vera Holtz), inclusive no ato de fumar. Desde que a Classificação Indicativa restringe ações equivalentes a maus exemplos, apenas gente ruim fuma nas novelas exibidas antes das 23h. Não deixa de ser divertido, de tão artificial que o recurso parece ser.

E não é que, seguindo essa tendência de carregar na tinta dos bonzinhos e dos vilões, a novela de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari vem ganhando fôlego de audiência?

A tática vem funcionando, e faz todo sentido que a receptividade seja boa nesse contexto tão polarizado que vivemos fora da ficção. O maniqueísmo também se faz latente nas linhas bíblicas da Record, de “Os Dez Mandamentos” a “A Terra Prometida”, e mais ainda, na dramaturgia mexicana revisitada pelos folhetins infantis do SBT.

Autores de ficção vêm batendo, e não é de hoje, na tecla de que o maniqueísmo seria um recurso do passado. Já não caberia, nos dias atuais, exibir personagens que sejam completamente bons ou completamente ruins. Mas esse conceito tem caído por terra diante da fragmentação dos números de audiência.

Partia-se do princípio de que todo mundo tem um demônio num ombro e um anjo no outro. Um pode se manifestar mais que o outro, vá lá, todo mundo tem capacidade de matar e de amar. Diante do acentuado Fla-Flu das ruas, no entanto, vale mais, para os valores comerciais, exibir um espelho ao público, na desenfreada busca por identificação, do que tentar incentivar o benefício da dúvida e do questionamento, como se tudo e todos fossem feitos de certezas inabaláveis.

 

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Cristina Padiglione

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