Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Leitor voraz, Fagundes lança livro para quebrar a resistência do brasileiro à leitura

Fagundes faz curadoria com diversidade e dicas de leitura em novo livro / Divulgação

Dono de uma editora de livros e de uma livraria bacana na novela “Bom Sucesso”, Antonio Fagundes experimentou o prazer de ver telespectadores encantados com citações literárias feitas em cena. Dali nasceu um podcast sobre leitura, que ele ainda pretende retomar, e um livro com dicas de livros e de leitura disposto a seduzir o brasileiro a abrir um livro, dois, dez, se for possível, derrubando estatísticas desalentadoras do mercado editorial brasileiro.

“Noventa por cento da população brasileira não lê, 10% lê um livro por ano”, cita o ator, com quem tive a satisfação de conversar sobre a obra, por telefone.

Pergunto-lhe se foi o papel de Alberto que inspirou essa iniciativa, e o título da obra não poderia ser mais convidativo: “Tem Um Livro Aqui que Você Vai Gostar” (Ed. Sextante).

“Isso veio em função da minha vivência com livros”, explica. “Eu gosto sempre muito de ler e muitas vezes as pessoas perguntam: ‘Que livro você me recomenda?’. É muito difícil recomendar um livro para alguém, você não sabe o hábito de leitura que aquela pessoa tem, se ela é capaz de aguentar um vocabulário mais elaborado. Eu me lembro de ter presenteado livros para pessoas, e depois de dois meses elas não tinham passado do primeiro capítulo, por falta de vocabulário.”

“Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar” tem zero de empáfia, mirando justamente a massa brasileira que mal se debruça sobre um livro. “Eu tento quebrar todos os preconceitos”, avisa.

Em 226 páginas, Fagundes sugere vários títulos, divididos em onze capítulos, incluindo biografia e autoajuda, segmentos que podem atrair mais facilmente os leitores menos pacientes, mas também história, clássicos, poesia, literatura infanto-juvenil e literatura brasileira, onde encontramos uma foto sua como Halim, o comovente personagem de “Dois Irmãos”, obra de Milton Hatoum, que ele interpretou na minissérie adaptada por Maria Camargo e dirigida por Luiz Fernando Carvalho para a Globo.

“Os meus professores de história que me perdoem, se é que eles se lembram de mim. Mas eu me lembro deles, e aquelas aulas de história eram muito chatas”, confessa o autor na abertura do capítulo 9, “A Vida Como Ela É (ou Foi), dedicada a livros de história, onde se encontram alguns dos sucessos de Laurentino Gomes, originalmente jornalista e autor de títulos como “1808”, “1822” e “1889”.

Fagundes reconhece que os jornalistas, de modo geral, são treinados para relatar histórias com certo imediatismo, o que proporciona uma leitura acessível a todos. “Eu diria que os jornalistas têm uma necessidade maior de comunicação, inclusive comunicação imediata, ele pesquisa e escreve histórias para serem entendidas no dia, não quer ser estudado, se você quiser estudar, aquilo está lá, a primeira acessibilidade ao assunto está ali, e os jornalistas fazem isso muito bem.”

Quem se interessar por este ou aquele tema poderá aprofundar as leituras sobre aquilo. E como isso vale para todos os segmentos, enredos e linguagens, o ator não descarta lançar outros volumes de sugestões com a mesma proposta.

Em cada capítulo, os autores dos títulos sugeridos merecem verbetes que trazem outras obras suas, complementando a proposta de atiçar o apetite do leitor.

“Não é um guia porque não é um cânone, não são os melhores 100 livros por algum critério, são os livros que eu li e recomendo, pensei numa diversidade.”

Não espere encontrar ali uma lista grande de textos de teatro, ofício central do autor, que nos brinda com uma foto sua no papel do rei “Macbeth”, de Shakespeare, montagem dirigida por Ulysses Cruz em 1992. Mas Fagundes bem sabe que esta é uma linguagem que pede um passo mais adiante.

“Se as pessoas leem um livro por ano, seguramente não será uma peça de teatro que vai atrai-las. Se você entra uma livraria e pergunta onde é a seção de teatro, ela fica lá no fim do corredor do segundo andar perto da porta do banheiro. Eu não queria dificultar a vida das pessoas, a proposta é primeiro estimular a leitura.”

Para persuadir o telespectador que há em todos nós a criar um leitor que nem sempre se faz presente, Fagundes concentra dicas de leitura que originaram adaptações na tela, do cinema ou da TV, e no palco. “Desde que ele pesquise, faz parte da processo se aprofundar na pesquisa e buscar o livro de um filme ou uma série que ele gostou.”

Se bem que o mais recomendável sempre é ler o livro para depois ver o filme. Digo que nunca consegui ver o Capitão Rodrigo, de “O Tempo e o Vento”, de Érico Verissimo, com outra cara que não fosse a de Tarcísio Meira.

“Eu tenho um amigo muito católico que disse: ‘você acabou com a minha vida, porque toda vez que eu rezo, eu penso em você.’ Isso, por causa de ‘Deus é Brasileiro'”, conta o ator.

Quando lhe pergunto qual personagem da história, uma paixão do ator, ele sonha em representar, Fagundes escapa da cilada: “Eu brinco que tem perguntas que a gente não faz, como ‘qual o seu livro favorito?’ Se a pessoa leu dez livros, tudo bem, mas se ela leu muitos, não há uma resposta única. Eu não tenho um personagem da história que eu gostaria de fazer porque eu diria mais de 1.800. Você tem tempo?”, ri.

“A iniciativa para um segundo livro vai depender da receptividade deste. “Vamos ver se as pessoas gostam, isso é infindável, no sentido que eu continuo a ler e novas possibilidades de indicação vão surgindo. Agora, eu tô me organizando porque eu queria voltar com podcast, é uma coisa extraordinária, exige uma imaginação do ouvinte, como a literatura exige do leitor: o podcast é um rádio moderno.”

A seleção dos títulos sugeridos por Fagundes foi absolutamente espontânea, conta. “Não tinha um cânone a seguir, não tinha uma diretriz, ‘vou falar dos livros mais importantes da humanidade’, nada disso. Eu fui lembrando, foi espontânea, pegava um tema e ia lembrando dos livros.”

Conhecendo sua dedicação ao exercício da leitura, temos aí uma curadoria no mínimo confiável. E entre um título e outro, o autor nos brinda com dicas de como encontrar e ser encontrado pelos livros. Não é o caso de desligar a TV e ir ler um livro, como pregava aquela antiga campanha da MTV Brasil, mas se houver um ligeiro equilíbrio entre páginas e telas, já teremos mais leitores dispostos a devorar esse universo de letrinhas.

Nesta terça (8), aliás, Fagundes estará no Conversa com Bial, pela Globo.

 

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