Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Made in Brazil: série de animação brasileira chega à China

Boris e Fausto

Faz tempo que nem só de telenovela vive a exportação do audiovisual brasileiro, mas é surpreendente notar como a animação, gênero relativamente recente nessa indústria, tem feito história em dezenas de nações mundo afora, inclusive com indicações em premiações internacionais. Nesse contexto, chegou à China recentemente a série “Boris e Rufus”, da produtora catarinense Belli Studio, numa inversão de rota do selo “made in…”.

Vista no Brasil pelo canal da Disney XD, pela TV Cultura, SBT Vídeos e YouTube, a produção já está também na Rússia e vizinhança, fronteiras desbravadas décadas atrás pela escrava Isaura de Lucélia Santos.

As desventuras no quintal onde vivem o cachorro resmungão Boris e seu amigo furão Rufus (que jura ser também cachorro), aterrissaram na China por meio de uma plataformade streaming, meio que tem aberto portas tabém a outras animações made in Brazil, como o “Show da Luna”, da Pinguim Content, e “Meu Amigãozão”, da D2Lab.

Boris e Rufus vivem com Enzo, rapaz encantado por sua vizinha, Jennifer, dona de um arrogante gato famoso na internet chamado Leopoldo. Quando ficam sem os donos em casa, os animais navegam na internet e conversam como se fossem humanos, com celulares em mãos e autonomia também para se meterem em várias confusões.

O roteiro de “Boris e Rufus” não promete aos pais de seus consumidores que levará suas crianças para longe do universo de telas que tanto hipnotiza as novas gerações, como tentam fazer vários produtores de audiovisual para esse target. E esse é o pulo do gato (sem trocadilhos com Leopoldo) da série: ela gera identificação com esse telespectador ao abordar histórias e elementos muito presente na vida dos pequenos, sem no entanto perder a oportunidade de alertá-los para as falácias e armadilhas do mundo digital, que embute muitos riscos.

“Boris e Rufus acessam todas as tecnologias reais e fantásticas pra entrar nesse mundo que é tão prestente hoje”, diz Aline Belli, produtora executiva da Belli Studio, em conversa com o blog. “A gente traz essas coisas dos riscos da internet, não só o que ela tem de fascinante”, reforça.

Não que a animação seja uma cartilha de riscos na web, longe disso. A premissa do enredo é sempre o entretenimento, daí a eficiência dos recados salpicados ao longo dos diálogos e situações enfrentadas pelo cão, o furão e o gato esnobe.

Já dublados, os primeiros episódios e os especiais de Natal devem estrear já em dezembro na China, que vem se somar a mais de 80 países que já os conhecem na América Latina, América do Norte e ao redor do mundo, com dublagens em ingês, espanhol e russo, mais recursos especiais de acessibilidade.

“Ver sua série traduzida para diversos idiomas é o sonho de todo o produtor”, resume  Aline.

Exibidora da série no Brasil, a Disney acabou abrindo portas mundo afora, inclusive na Rússia. “Fomos convidados pela Disney Latin America a fazer parte de uma reunião com a Disney mundo”, conta a produtora, ao narrar a trajetória de exportação de seu produto.

Aline gosta de chamar a atenção, com razão, ao fato de a produção ter alcançado toda essa expansão tendo saído de uma pequena cidade catarinense, no caso Blumenau, fora do eixo Rio-São Paulo que determina boa parte dos espaços pautados na TV.

“Somos uma empresa de Blumenau (SC), capaz de fazer uma produção independente e movimentar esse mercado do interior, de mostrar como é possível fazer esse tipo de coisa, participar do eixo da economia criativa e contar histórias pelo audiovisual e as narrativas. É o softpower. O Brasil não entendeu o quanto a gente pode viajar nas nossas narrativas, para Canadá, França e tantos outros países. O audiovisual é uma parte da economia criativa, a  gente tem a indústria, o governo e a academia [universidade], para gerar empregos, renda e fazer nossa cultura se estabelecer.”

Só em Santa Catarina, endossa Aline, há seis cursos superiores que envolvem audiovisual e cinema, dois deles de animação. A produtora realizou palestras em escolas da região catarinense, onde estudaram alguns dos profissionais da Belli Studio quando tinha 8, 9 anos, sem lhes contar, de cara, que essas pessoas iniciaram lá suas formações escolares.

“No final, a gente perguntava onde eles imaginavam que a gente conseguia talento para fazer essas produções, e eles diziam ‘Canadá’, ‘África’, ‘Estados Unidos’. Então mostrávamos que as pessoas que faziam aquilo haviam estudado bem naquelas escolas. A gente faz com que as crianças consigam ver aquela pessoa que estudou ali e poder ver nisso a oportunidade de trabalhar numa coisa aspiracional para asua vida e que viaja o mundo.”

“É uma maneira de essas novas gerações se verem representadas, se espelharem e refletirem suas expectativas de futuro com a certeza de que não é preciso estar nos grandes centros para fazer as coisas acontecerem”, orgulha-se Aline.

Uma produção de animação movimenta cerca de 35 profissões, do ilustrador ao dublador, as mais óbvias, mas também de ocupações inimagináveis, como bibliotecário, para organizar o acervo de episódios de uma produção.

Embora as animações tenham uma história recente no Brasil, o que teve início com a bênção de linhas de crédito do BNDES e, a seguir, programas de incentivo públicos que infelizmente perderam fôlego no governo Bolsonaro, o gênero leva larga vantagem sobre outras áreas do audiovisual na hora da exportação.

A língua portuguesa, sempre apontada como uma barreira para a venda de suas produções ao exterior, não é obstáculo para as dublagens da animação, já que o desenho aceita movimentos labiais de qualquer idioma. Em compensação, animação não é coisa para ser legendada, e a dublagem é sempre um processo mais caro.

Como diz Aline, a exportação da animação também permite aos profissionais brasileiros de dublagem ditarem a criação daqueles personagens, na contramão do que o país tem de fazer em largas proporções, com as animações que vêm de fora e aqui são dubladas a partir da criação original de seus países.

Outra vantagem da animação é que seu modelo sofreu menos com a pandemia, visto que a realização de “cenas” entre seus personagens dispensa convivência física e, portanto, contágio. O negócio pôde avançar com cada um desenhando e editando em home office, mas poderia ter funcionado melhor se a Ancine –Agência Nacional do Cinema— não estivesse completamente travada.

Dinheiro em caixa há, até porque o Condecine segue valendo e levando as empresas de telecomunicação a depositar uma taxa relevante para abastecer as produções da TV e do cinema. Só falta organizar sua distribuição e colocar a casa em ordem, sem restrições a temáticas religiosas ou sexuais, como já ameaçou o presidente Jair Bolsonaro.

A exportação de “Boris e Rufus” para a China soma 40 episódios, mas a Belli Studio trabalha agora na produção da próxima temporada, o que depende da cobertura de um orçamento que tem crescido graças a leis de incentivo. Não é mamata, como alegam os ignorantes. É investimento mesmo. As cifras que uma trajetória como “Boris e Rufus” devolve ao país é inestimável, capaz de pagar as contas da aposta e quadruplicar seus ganhos.

A indústria do audiovisual tem contado com boas iniciativas da iniciativa privada, mas é preciso saber que o segmento movimenta anualmente R$ 25 bilhões por ano, gerando mais recursos que o turismo, e mais de 300 mil empregos –se bem que essas contas são anteriores à chegada de Bolsonaro ao poder, é bom avisar. Oxalá o setor mostre fôlego de lagartixa, de quem se corta o rabo e mesmo assim se regenera.

* ONDE VER
No Brasil, “Boris e Rufus” é exibida na TV aberta via TV Cultura, na TV fechada no Disney XD e nos streamings do Prime Video e SBT Vídeos, entre outros. No mercado internacional, Boris e Rufus está disponível no Disney Channel e Prime Video. Além disso, o público pode acompanhar as novidades da dupla através das redes sociais: YouTube, Instagram, Facebook, TikTok e Twitter.
https://www.youtube.com/watch?v=tTBn4p5l83E

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Cristina Padiglione

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