Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Jardim de Napoli, o fim de uma era: o dia em que o Boni quis pagar minha conta

Toninho Buonerba no quintal reservado do Jardim de Napoli/ Foto: Twitter Toninho Buonerba

Embora não fosse íntima do Toninho Buonerba, dono do Jardim de Napoli, que morreu nesta quinta-feira, conheci-o de perto e sinto muito pela partida dele. Guardo daquelas mesas e sabores as melhores lembranças.

Um dos restaurantes prediletos do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (*), um dos maiores entendedores de comida e vinho deste país, o Jardim de Napoli há muito coleciona a frequência do pessoal da TV, como acolhe uma clientela de empresários, médicos, advogados, juízes, engenheiros, arquitetos e comerciantes, gente de todos os ofícios.

Não há quem não dobre os joelhos diante do polpettone de lá, segredo guardado a sete chaves, que nenhum outro menu conseguiu reproduzir no Brasil.

Conheci o local com meu primeiro patrão, Ferreira Netto, sujeito robusto, que não abria mão do babador oferecido pela casa para impedir que gotículas de molho de tomate se arvorassem sobre as vestimentas do cliente.

Indiquei aos meus pais, e minha mãe, Guiomar, nunca conseguiu passar por lá sem deixar de pedir a pizza Bonanza, com champinhons, bacon e muçarela.

Ainda nos idos de 1993, após enfrentar pacientemente a resistência do diretor Paulo Ubiratan para cobrir as primeiras gravações de Malu Mader em “O Mapa da Mina”, no Páteo do Colégio, encerrei meu expediente e fui para casa, onde, mais tarde, meus pais chegariam dizendo que haviam encontrado “o Paulo”, primo em terceiro grau do meu pai, Irineu, no Jardim de Napoli.

O diretor, irascível no set, era ótima figura longe do trabalho, e contara aos meus pais que esteve comigo no set até pouco tempo antes, trabalhando arduamente – parecia até que havia facilitado as coisas para mim, o que efetivamente não ocorreu. Na ocasião, consegui minha entrevista com Malu, mas não foi fácil convencê-lo de que eu não iria destruí-la.

Uma boa mesa e um bom vinho têm sempre o poder de tornar as pessoas mais dóceis.

Já em 1997, pouco depois da saída do Boni do comando da Globo, um sem número de boatos especulava sobre seu destino, inclusive na única concorrente da emissora à época, o SBT. Soube que o Boni iria jantar no Jardim de Napoli e lá fui eu atrás da notícia. Convidei minha mãe para jantar comigo, pois deveria aparecer ali casualmente, com alguém completamente insuspeito.

Sentamo-nos ao lado da mesa do homem que mandou e desmandou na Globo por décadas, desde que aquilo não era nada. Boni se fazia escoltar então pelo autor Benedito Ruy Barbosa e o advogado Aranha Netto, homem do jurídico da Globo na época. Lá pelas tantas, eu me aproximei para abordá-lo, desculpando-me pela inconveniência. “Mas diante de tantas especulações sobre o seu destino, eu, bem aqui na mesa ao lado, não pude evitar de vir aqui perguntar se você assinou mesmo com o SBT”, comecei. “Não assinei nada, ultimamente, não ando assinando nem cheque”, ele me respondeu, lembrando que cheque ainda era algo bastante usado naquele tempo.

Contrariando a fama cultuada entre seus subalternos, foi muito simpático. Esclareceu que ainda não sabia o que ia fazer e garantiu que não iria para a rede de Silvio Santos. No dia seguinte, contei toda a historinha com exclusividade, esbanjando as raras aspas do sujeito naqueles dias, na coluna que assinava então para a “Folha de S.Paulo”, “Outro Canal”.

Boni e seus convidados se retiraram do restaurante pouco mais de meia hora após a minha abordagem, com um discreto adeus a nós. Eis que quando fomos pagar a conta, pouco depois, o garçom informou: “A conta está paga”. E eu, que só tinha até então visto aquele diálogo em novela, perguntei: “Mas como? Paga por quem?” E o garçom, enfático, retrucou: “A conta está paga. E não se discute com seu Boni, ponto final”.

Daquela época para cá, Toninho só fez aumentar a boa fama do Jardim de Napoli, abriu um empório de produtos da casa e importados bem em frente, o Giardino, ampliou a presença das mesas na calçada, sempre cobertas pelas toalhas de estampa em xadrez, verde e branco, criou pontos do Jardim de Napoli nos shopping Higienópolis, logo ao lado da sede, JK e Cidade Jardim. E, sobretudo, deu vida ao Boteco do Toninho, logo ao lado do empório, onde recebia amigos influentes e famosos reservadamente, sem risco de serem importunados por clientes anônimos.

José Luiz Datena, Boni, José Nêumane Pinto, Silvio Luiz, Flávio Ricco, Mario Sergio Conti e o próprio Boni, além de outros grifados, frequentavam o quintalzinho reservado do Jardim.

A reputação da casa está assegurada nas mãos dos herdeiros, todos crescidos naquele pedaço da Martinico Prado, em Santa Cecília, mas a partida do Toninho é um ciclo que se encerra, como outros tantos, para o nosso pesar.

(*) Boni, para quem só o conhece como ‘pai do Boninho’, diretor do ‘BBB’ e jurado do Faustão, é um dos três nomes que fizeram a Rede Globo crescer e se multiplicar – os outros dois são Walter Clark e Joe Wallach. Mas foi ele quem permaneceu mais tempo, muito mais, à frente do canal que fez a marca se tornar um império para a família Marinho. Hoje, é proprietário da Rede Vanguarda, retransmissora da Globo no Vale do Paraíba.

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Cristina Padiglione

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