Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Merchan de lingerie com travesti e modelo GG em ‘A Força do Querer’ acusa que o mundo mudou

Nonato (Silvero Pereira) como Elis Miranda, canta, para a admiração de Eurico (Humberto Martins), em desfile de lingerie

Nesses dias em que tributo a Pink Floyd é confundido com incitação à homossexualidade, a novela das 9 da Globo, produto de entretenimento de maior alcance de público no Brasil, presta um grande esclarecimento à nação sobre o respeito e a valorização às diferenças.

Pelo barulho gerado nas redes sociais, a intolerância parece vencer. Mas como anunciante não dá tiro no pé e a Globo está longe de se assemelhar a uma Ong, a presença de duas grandes ações de merchandising de uma famosa marca de lingeries no penúltimo capítulo de “A Força do Querer”  endossa que a tolerância é maioria no placar do público.

Se houve um tempo em que grandes marcas receavam associar sua imagem à de gays e figuras fora do padrão estético ditado pela indústria da moda, ok, podemos conjugar os verbos no passado. O que se vê nas ações bem pagas para figurar na tela nessa véspera de grande final de uma novela que trouxe de volta os índices extraordinários de audiência de uma novela das 9 foi o enaltecimento de uma travesti, Nonato (Silvero Pereira), transformada na drag queen Elis Miranda, e da beleza da plus size Biga (Mariana Xavier), modelo de uma sessão fotográfica da mesma marca.

A um custo estimado em US$ 500 mil para cada ação, as cenas, antes de parecerem uma ousadia da marca ou da emissora, são pautadas em pesquisas e mais pesquisas sobre a predileção da plateia de consumidores, o tal do senhor telespectador, que tem seu comportamento mensurado nos mercados de maior consumo. Sempre me causou espanto que algumas marcas resistissem em associar seus nomes a homossexuais – embora muitos deles optem por ter filhos, adotados ou via inseminação, os heterossexuais ainda têm mais filhos que os gays, o que torna o seu poder de consumo menor que o dos homossexuais, na média geral. Só quem é pai sabe quais os gastos efetuados com a criação de um ser, das fraldas à faculdade, e como isso se traduz em menor consumo de viagens, roupas, restaurantes e bens de consumo supérfluos, ou nem tanto. Por que, então, os gays deveriam ser desprezados pela publicidade, de modo geral? Só pelo medo de desagradas os héteros intolerantes? Não faz sentido na conta final.

O merchan desta noite de quinta-feira é um acerto, sob esse aspecto, ainda mais considerando o produto em questão, lingerie, cultuado por héteros, homossexuais e trans femininos. O respeito às diferenças também já foi alvo de controvérsias de uma campanha da Boticário, mas, de novo, pautado em pesquisas que indicavam essa opção como acerto.

Convém notar ainda que o mesmo Santander que patrocinava exposição “Queermuseu”, e foi conivente com seu encerramento em Porto Alegre, sob acusação de apologia à pedofilia, também deu pinta no penúltimo capítulo de “A Força do Querer”. Não foi anunciado por trans, travestis, homossexuais ou tarados, mas esteve ali, lado a lado com os personagens protagonistas da Hope.

No momento em que a publicidade volta seus valores a novos modelos, é tempo de aceitar que certas resistências explicitadas ao enredo de Glória Perez se refletem com perfeição no título daquela peça de Shakespeare, “Muito Barulho por Nada”.

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Cristina Padiglione

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