Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Morte de Paulo Silvino marca o declínio de uma era no humor televisivo

Paulo Silvino como o porteiro Severino, do 'Zorra'

Lembrar de Paulo Silvino, dos humorísticos de Jô Soares, Agildo Ribeiro e companhia, há mais de 30 anos, até o recente “Zorra Total”, é lembrar do sujeito que divertia a plateia com seu olhar de cobiça, quase de fome, diante de belas mulheres, sempre (pouco) vestidas “para matar”.

Silvino morreu na manhã desta quinta-feira, 17 de agosto, em consequência de um câncer de estômago, contra o qual vinha lutando há pouco mais de um ano.

Do porteiro Severino, ao bordão “Ah, eu preciso tanto!”, Silvino era engraçado praticando um humor cada vez mais em extinção, hoje ainda em voga em alguns esquetes de “A Praça É Nossa”, no SBT: um humor que tem cobrado constrangimento de quem faz a piada e de quem ri dela, um humor sexista, que por décadas caminhou junto com o humor homofóbico e que neste momento vai caindo em desuso, abastecido de muita reflexão sobre do que, afinal, estamos rindo e por que estamos rindo.

Poucos são os comediantes que ainda se dão ao luxo de brincar nesse terreno, sem perder o aplauso. Silvino fazia parte desse time. Livre da pecha de cafajeste que poderia azedar a piada, trazia diante das belas mulheres com quem contracenava não o olhar machista, mas sim a expressão do cachorro que implora por um afago do dono, mais pendente para a carência e menos inclinado à figura do tarado (mesmo porque o desfecho dos esquetes era quase sempre o do sujeito que não alcança êxito na cantada).

Daí a percepção de que dentro desse humor hoje tratado como sexista, Silvino fazia rir com um tom que beirava a inocência.

Autor de uma série de bordões, era filho do comediante Silvério Silvino Neto, conhecido por parodiar figuras públicas no Brasil dos anos 1940 e 1950. Também trazia da mãe o talento para a música, a pianista e professora Noêmia Campos Silvino. “Eu nasci nisso. Com seis, sete anos de idade, frequentava os teatros de revista nos quais o papai participava. Ele contracenava com pessoas que vieram a ser meus colegas depois, como o Costinha, a Dercy Gonçalves”, disse ele em depoimento ao acervo do Globo Memória, trabalho realizado pela Globo para a preservação das histórias, imagens e registros da televisão.

Silvino iniciou a carreira no rádio e já nos anos 1960 se juntou ao elenco da TV Rio. Entre idas e vindas na Globo, estrelou “Balança, Mas Não Cai (1968),  “Faça Humor, Não Faça Guerra (1970), “Uau, a Companhia” (1972), “Satiricom” (1973), “Planeta dos Homens” (1976), “Viva o Gordo” (1981) e “Zorra Total” (1999), com o popular Severino, que analisava “cara e crachá”.

Confira aqui algumas das muitas facetas de Silvino.

Biografia

Nascido em 27 de julho de 1939, no Rio, Paulo Ricardo Campos Silvino pisou num palco pela primeira vez aos nove anos de idade. Foi crooner de uma banda de rock na adolescência. Com o nome de Dickson Savana, em 1958, apresentou-se com Erasmo Carlos e Eumir Deodato no “Clube do Rock”, programa comandado por Carlos Imperial na TV Tupi. No ano seguinte, agora sob a alcunha de Silvino Júnior, compôs e cantou a maioria das canções do disco Nova Geração em Ritmo de Samba, gravado com os amigos Altamiro Carrilho, Durval Ferreira e Eumir Deodato. Até o início dos anos 1960, gravou com vários outros artistas, como o cantor Sílvio César e os conjuntos Tamba Trio e Os Cariocas.

Em 1962, escreveu um espetáculo teatral baseado na letra de “Anjinho Bossa Nova”, música que havia composto e gravado naquele ano com Os Cariocas, que marcou sua estreia como ator.

Ao Globo Memória, fonte das informações aqui estampadas, Paulo Silvino disse que a TV foi um caminho quase casual no seu destino. “Ser comediante nasceu por acaso. Talvez seja pela minha desfaçatez, porque eu nunca tive inibição de máquina. Tenho tranquilidade com a câmera e tive vantagem em televisão por isso. O riso dos cinegrafistas é o meu termômetro”.

A carreira na televisão começou na TV Rio, em 1965, como apresentador do programa “K Louros e Morenos”, uma criação sua em que os participantes escolhiam o que iam cantar, mas só ficavam sabendo como seria a apresentação na hora, por sorteio. O calouro podia, por exemplo, ser obrigado a cantar sua versão para Chega de Saudade, de João Gilberto, vestido de urso enquanto subia e descia uma escada.

Em setembro de 1966, estreou na Globo, apresentando o “Canal 0”, humorístico que satirizava a programação das emissoras de TV (olha lá o embrião do “Tá no Ar”). No início de 1967, a atração passou a se chamar TV0-Canal 0. E ainda em abril daquele ano, estreou o TV1-Canal ½ , programa similar, apresentado por Agildo Ribeiro. Em julho, houve a fusão dos dois programas e os dois passaram a apresentar juntos o TV0-TV1.

Ainda em 67, seguiu para a TV Excelsior, onde trabalhou no humorístico “Hotel do Porteiro Doido”, com comediantes como Castrinho, Consuelo Leandro, Renato Côrte Real, Tião Macalé e Otelo Zeloni. Em 68, voltou à Globo e, durante três meses, apresentou o programa “Porque Hoje é Sábado”, ao lado de Lúcio Mauro, Grande Otelo e Dircinha Batista. No ano seguinte, integrou o elenco da primeira versão do humorístico “Balança Mas Não Cai”, com direção de Augusto César Vannucci.

Em 1977, fez participação breve no “Sítio do Picapau Amarelo” como Merlin, o mago da lenda do Rei Arthur. No ano seguinte, trabalhou na novela “O Pulo do Gato”, fazendo a chamada para as cenas dos próximos capítulos com uma narração ao estilo radiofônico.

Chegou a trabalhar como redator do “Domingão do Faustão”, em 1989. No ano seguinte, mudou de canal, para apresentar, no SBT, o “Condomínio Brasil”, humorístico escrito por Max Nunes, que, ao modo de Silvio Santos, não chegou a estrear. Passou então a integrar o elenco de “A Praça é Nossa” e da “Escolinha do Golias”.

Em 1993, voltou à Globo, recomeçando pelos bancos da escola do Professor Raimundo, com Chico Anysio. Em 1995, foi para TV Record, onde participou da Escolinha do Barulho, e retornou à Globo em 97, tendo feito breve participação na novela “Zazá”, de Lauro César Muniz.

Chegou ao “Zorra Total” em 199, sob direção de Maurício Sherman. Ali fez e reciclou vários de seus tipos, com ênfase para o Severino, porteiro da Globo que estava sempre em dificuldades por servir de quebra-galhos para um diretor. Um dos bordões do personagem – “Meu negócio é conferir a cara e o crachá” – fez tanto sucesso que ele virou símbolo de uma campanha interna da emissora sobre a importância do uso do crachá pelos funcionários.

No cinema, trabalhou tanto como ator quanto como roteirista, incluindo grande contribuição às produções de pornochanchada. Teve seus créditos estampados em “Sherlokck de Araque” (1957), “Minha Sogra é da Polícia” (1958), “O Rei da Pilantragem” (1968), “Ascensão e Queda de um Paquera” (1970), “Um Edifício Chamado 200”, “Café na Cama” (1973), “Com a Cama na Cabeça” (1972), “Um Varão Entre as Mulheres” (1974), “O Padre que Queria Pecar” (1975), “A Mulata que Queria Pecar” (1977), “Assim Era a Pornochanchada” (1978), “Os Melhores Momentos da Pornochanchada” (1978), “Um Marciano em Minha Cama” (1981), “Rádio Nacional” (2011), “Muita Calma Nessa Hora 2” (2013) e “Até que a Sorte nos Separe 3” (2015).

Alguns dos bordões:

“Ah, eu preciso tanto!”

“Eu gosto muito dessas coisas!”

“Guenta! Ele guenta!”

“Ah, aí tem!”

“Dá uma pegadinha!”

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Cristina Padiglione

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