Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Não tenho vontade de ser o preto oficial da Globo’, brinca Paulo Vieira, agora no ‘Fora de Hora’

Paulo Vieira na bancada do 'Fora de Hora'. Crédito: Estevam Avellar/Divulgação

Paulo Vieira, o sujeito que vem motivando boas gargalhadas pela tela da Globo há um ano, estreia nesta terça-feira (21) como apresentador, ao lado de Renata Gaspar, no “Fora de Hora”. O novo humorístico da emissora, no ar após a estreia do BBB 20, brinca com os cacoetes e arquétipos do telejornalismo, das previsões do tempo às gafes normalmente cometidas ao vivo, sem perder as piadas prontas que o noticiário da vida real fartamente tem nos dado. Melhor rir para não chorar.

Mas Paulo Vieira, apontado pela direção da Record como alguém que não tinha “perfil de apresentador”, poderia estar na Globo desde 2015, quando venceu um concurso no Domingão do Faustão e o Prêmio Multishow de Humor. Chegou a ficar um ano na emissora, sob contrato, sem jamais ter sido aproveitado em cena.

Foi preciso chamar a atenção como coadjuvante de Fábio Porchat no extinto talk show da Record, para fazer o caminho de volta. Olhe que não é fácil trilhar esse trajeto, da Barra Funda, sede da TV de Edir Macedo, a Curicica, onde estão os Estúdios Globo, e não estamos falando de distância geográfica: isso, para quem veio do Tocantins, onde juntava trocados vendendo salgados com o pai, é o de menos.

Mais do que um novo rostinho entre os consagrados da comédia, Paulo Vieira vem contemplar de modo exemplar uma lacuna no humor que tem sido praticado na Globo nos últimos anos, um riso disposto a cutucar a consciência do público em questões políticas, sociais e comportamentais. Se faltam negros à TV, essa ausência é ainda maior no campo do humor, e ele sabe disso.

Em janeiro de 2017, a equipe do “Tá no Ar”, antecessor do programa que estreia nesta terça, fez do “Branco no Brasil – há 500 anos levando vantagem” uma de suas melhores esquetes. No enredo, pessoas negras são barradas pelas portas giratórias do banco, enquanto brancos entram sem restrições. Crítico ao racismo vigente no país, no entanto, o programa não trazia nenhum negro em seu elenco. Marcius Melhem, Marcelo Adnet e Maurício Farias, criadores do “Tá no Ar”, foram textualmente cobrados pela ausência de outras cores no programa em entrevista coletiva ocorrida no lançamento da temporada seguinte.

Concordamos que não é o caso de estabelecer cotas obrigatórias para tanto, é preciso selecionar talentos não pela cor ou pelo gênero, lembrando que as mulheres também chegaram atrasadas ao palco da comédia, de modo geral. Mas faltava abrir espaço para se conhecer sangue novo em outras cores. Muitas vezes, como era o caso do próprio Paulo Vieira durante aquele ano mal aproveitado na Globo, a opção está bem ali ao lado e não é notada.

“Tá colorindo, né”, diz Paulo em nossa conversa por telefone, na manhã de terça, dia da estreia. “Mas não tenho a menor vontade de ser o preto oficial da Globo”, completa. “Tem que ter mais. Quando o [Evaldo] Macarrão entrou no Zorra,vieram me dizer: ‘Fica atento, fica atento, Paulo!’, como se viesse outro pra tomar o meu lugar. Eu respondi: fica atento vocês, vocês é que têm que ficar atento’.”

Protagonista do “Isso é Muito Minha vida”, um quadro semanal que se tornou a melhor atração do Se Joga, programa que veio substituir o Video Show, Paulo se ausentará do vespertino até pelo menos abril, quando termina a temporada do “Fora de Hora”. E já morre de saudade das personagens nas quais se desdobra, fazendo graça sobre as desgraças das coisas de pobre.

De origem humilde, Paulo está, afinal, como martelam as patrulhas atuais do politicamente correto, em seu lugar de fala. E se diverte.

Como o novo humorístico é feito de notícias quentes, muitas coisas têm sido gravadas e desperdiçadas, superadas por novos fatos e piadas, antes de irem ao ar. Além do expediente intenso exigido por esse ritmo, ele também retoma em fevereiro as gravações do Zorra, outro humorístico feito com a temperatura dos fatos da semana.

O elenco do novo humorístico, uma paródia de telejornal

Quase formado em jornalismo pela Universidade Federal do Tocantins, Paulo se viu forçado a jogar fora tudo o que aprendeu sobre o ofício para assumir a face de um apresentador relaxado, capaz de se divertir com o que anuncia na bancada. É de se apostar que William Bonner adoraria fazer o mesmo.

Agora, só falta o salário de âncora. Depois de cumprir um ano de contrato com a Globo, ele vive no momento uma etapa de negociação pela renovação, sem esconder que já acha grande qualquer quantia acima de R$ 1,5 mil.

A seguir, abro aspas para os bons relatos dessa figura divertida que nos brindará com o lado mais patético dos noticiários no Fora de Hora, ao lado de Renata Gaspar. De voz e gestos contidos, ar refinado, ela forma com ele um par de contraste proposital.

Fala, Paulo.

DA RECORD PARA A GLOBO

“O Fábio [Porchat] resolveu sair [da Record]. Quando falaram que ia acabar o programa,  eu já tinha uma relação muito boa com o pessoal da Globo, o Marcius Melhem, o Adnet, com Otávio Müller, a Dani Calabresa (fizemos um filme juntos, ‘O Palestrante’, que deve estrear este ano). Foi o Marcius que me ligou me fazendo um convite. Eu tinha um convite da Netflix pra fazer umas coisas lá, e embora eu goste muito da Netflix, a TV aberta se encaixa mais com o que eu quero fazer da vida agora, construir uma imagem e falar com o povo.

Mas com o convite da Globo eu fiquei naquela: Globo ou Netflix? Eu ainda estava numas de ficar na Record, eu podia de repente ficar lá e fazer Netflix junto. E foi engraçado porque no mesmo dia eu tive duas conversas: uma na Record, que disse que não ia me dar um programa porque e eu não tinha perfil de apresentador, e outra com o Marcius Melhem e a Dani Ocampo falando que era pra eu ir pra lá [Globo] porque ia ter muita coisa boa pra eu fazer. E meu contrato, além de ser um contrato curto, de um ano, muita gente deu muita força pra eu vir: a Dani Calabresa, Otávio Muller, a turma do Zorra é muito massa, a gente pensa muito.

Da Record para a Globo: Isso é Muito Minha Vida

EMERGENTE, GENTE COMO A GENTE

“Uma coisa que eu falei pro Március é que minha dúvida de vir pra Globo era se iam deixar fazer o ‘Emergente, Gente como a Gente’ (origem do ‘Isso é Muito Minha Vida’, rebatizado na Globo, que ele fazia no Programa do Porchat, na Record). O Marcius falou que não conseguiria colocar isso em contrato, mas disse: ‘vem que a gente dá um jeito’. E na primeira oportunidade que teve, ele conversou com o [Mariano] Boni sobre essa ideia para o Se Joga.”

NOVO PROGRAMA

“O Fábio falou que a Globo teria um novo programa e que talvez eu pudesse estar nesse programa, mas eu vim pra Globo, fui fazer Zorra, Escolinha e tinha até esquecido disso. O legal é que tudo acontece num só lugar, que é a Casa dos Roteiristas de Humor (núcleo de humor da Globo) e me chamaram pra fazer uma leitura de apresentação do programa novo. Eu achei que era só uma leitura pra ajudar os roteiristas a ouvirem o texto. Aí eles começaram a comentar: ‘Acho que falta piada, mas agora que a gente sabe que vai ser o Paulo…’ E eu: ‘Eu é que vou fazer isso aqui? Sou eu mesmo?’ Até agora, eu visto o terno pra fazer e na hora de gravar ainda pergunto: ‘Sou eu que vou fazer? Não é só um take?'”

NEGROS NA TELA

“Tá colorindo, e tem que ter mais, não tenho nenhuma vontade de ser o preto oficial da Globo. Quando o Macarrão entrou no Zorra, já vieram me falar: ‘Entrou o Macarrão, fica atento, Paulo’. Eu respondi: ‘fica atento vocês’. Naquela série do ano passado [‘Aruanas’], foi a primeira vez que a Camila Pitanga e a Taís Araújo trabalharam juntas, porque antes, parecia que se havia uma já não podia ter a outra, como se fosse uma cota de só uma de cada vez ou como se não pudessem aproveitar as duas juntas porque depois não teriam opção pra uma outra produção. Isso tá mudando.”

TEMPERATURA DO PROGRAMA

“A gente não pode gravar hoje, no dia em que vai ao ar, a não ser que aconteça algo muito absurdo e tenha tempo hábil pra isso. Mas as pautas quentes já são uma prática do Zorra, para ser um programa relevante. Como o texto demora pra ser aprovado, tem umas cenas que o Marcius bate direto com o [Carlos Henrique] Schroder  (Diretor de Criação dos canais Globo). Ele vai lá, mostra o texto e é uma maneira de poder fazer humor em cima da noticia. Isso permite que  a gente faça piadas de acontecimentos muito recentes. Tem também planos de emergência, coisas como umas cabeças prontas em que a gente diz: ‘Olha o que aconteceu esta semana’ ou ‘Você acha que já viu de tudo?’.

A ideia é fazer um resumão das coisas da semana, de coisas importantes, ou de coisas que a gente acha que passaram despercebidas.

E tem coisas do jornalismo do dia a dia, aquele buraco que não é tão grande, o cara que não quer dar a previsão do tempo e fica enrolando, canta, chama uma bateria.

ISSO É MUITO MINHA VIDA

“Eu já tô morrendo de saudade. Tô escrevendo já alguns episódios. Acabando o Fora de Hora, quero voltar logo. Eu boto mesmo várias referências do Monty Phyton (reconhecendo que o logotipo imita ‘A vida de Brian’, do grupo britânico). Tem uma cena em que aparece um cartaz com o nome do forró, Forró Monty Phyton”.

DO TOCANTINS ATÉ AQUI

“Vim pra São Paulo, eu tinha 16, 17 anos. Fazia show no Comedians [casa de espetáculos] no final de semana e voltava pra Palmas. Eu nunca mudei oficialmente, minha empresa é por lá, fui gastar meu cartão da Globo, da ceia de Natal, lá, minhas compras são todas pra movimentar o comércio local, sou bem bairrista mesmo, igual mineiro, que só compra carro feito em Minas. Voto lá até hoje.”

RENOVAÇÃO DE CONTRATO

“Estamos vendo aí, eu não sou bom nisso. Eu vendia salgado na rua com o meu pai. Ele fritava e a gente saía pra vender. O dinheiro que eu conheci era de R$ 1,50 em R$ 1,50, até juntar e fazer o fabuloso dinheiro de R$ 25 reais por dia. Eu finjo naturalidade, mas qualquer valor acima de R$ 1.500 eu já acho demais.”

Com Fábio Porchat no talk show da Record/Reprodução

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Cristina Padiglione

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