Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

No custo-benefício da fama, a mão que afaga é a mesma que apedreja

Neymar Jr. em publicidade de lâmina de barbear: cachê equivale ao interesse que cada um provoca na opinão pública, para o bem e para o mal / Divulgação

Leio repercussão sobre a entrevista de Dani Calabrasa ao jornal Extra em que ela relembra a dor da separação de Marcelo Adnet, em 2017. Se o fato de ser famoso já demanda trabalho extra para administrar a vida pessoal, ser celebridade casada com outra figura estelar pede manobras hercúleas para evitar que a esfera pública afete seu mundo individual e conjugal.

Dani lembra, com razão, que um bando de gente passou a dar pitaco sobre o que ela deveria fazer após ser traída publicamente pelo então marido: uns lhe cobravam perdão, outros, punição. É muito cruel ter de lidar com a ferida em questão, sem dar vazão na medida necessária às próprias convicções.

“Enfrentar uma separação sendo famosa foi muito dolorido. Passei por traição, exposição, julgamento… Eu queria tomar as decisões com o meu coração, mas parecia que eu tinha que agradar às pessoas”, disse a atriz ao jornal do Grupo Globo. “Umas pediam que eu me separasse, outras que eu perdoasse, outras vinham com mentiras e pioravam tudo. Eu, sensível demais, tive que aprender a não levar tão a sério os comentários na internet, pela minha saúde mental.”

“Parece que quem é pessoa pública tem a obrigação de enfrentar isso tudo, mas não. A gente não assina um contrato para aceitar que falem da nossa vida sem reclamar. Se tivesse essa cláusula, eu não aceitaria. Só quero fazer arte, e não ser julgada e virar alvo de polêmicas.”

Mas a mão que afaga, como eternizou o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), é a mesma que apedreja. Não que isso credencie os fãs a opinar sobre a vida de Adnet, Calabresa ou de quem quer que seja. Afinal, o que paga os boletos de cada um é o trabalho que eles entregam no ofício que lhes cabe, seja à Globo, à MTV, ao cinema ou às marcas que financiam outros expedientes, inclusive na publicidade.

Aí é que mora o cerne do ônus x bônus da fama: o valor do cachê de uma estrela é diretamente proporcional ao interesse do público em conhecer sua vida pessoal e opinar sobre ela, e lamento dizer que não há esperanças de que isso um dia mude.

Uma atriz que recebe R$ 90 mil para aparecer mordendo uma bolacha (ou biscoito, vá lá) devidamente exposta com a embalagem do produto em seu perfil no Instagram, seguido por 50 milhões de pessoas, deve ter noção que qualquer passo que dará será perseguido com lupa por uma multidão. É só por isso que lhe pagam tanto para fazer algo pelo qual eu não mereço receber um centavo.

Ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez reclamava de paparazzi que perseguiam seus jogadores em boates noite adentro, e bradava que aquilo que o atleta faz fora de campo não é de interesse de ninguém. Por que então Ronaldo Nazário ganhava milhões para aparecer no intervalo comercial e em pôsters publicitários usando derterminado creme de barbear? E o que dizer das cifras abocanhadas por Neymar para aparecer nas mesmas condições, pago por outro anunciante?

É evidente que as respectivas marcas sabem muito bem que o que eles fazem fora de campo, na esfera íntima é, sim, referência para milhões de consumidores.

Qual seria então a opção para quem busca reconhecimento sem ter de se submeter a essa cobiçada vitrine que expõe artistas, atletas e até jornalistas? Há como viver fora desse hall da fama, é claro, mas no caso de esportistas, atores e cantores, a gangorra é muito desequilibrada e pede uma vida quase franciscana àqueles que abrem mão dos holofotes para preservar a sua privacidade.

Há exceções: são aqueles que abrem mão de qualquer propaganda fora de seu ramo e trancam ao máximo as informações sobre sua intimidade, a ponto de constranger até repórteres que lhes perguntam sobre vida pessoal. Chico Buarque talvez seja o melhor exemplo desse modelo. Não me lembro de nada que o grande músico tenha anunciado.

João Gilberto, que também era ultra reservado e nem por isso menos aclamado em sua genialidade, fez show para determinada marca de cerveja, mas o anúncio estava diretamente relacionado a um trabalho da sua área.

Fico muito à vontade para tocar nesse tema porque resisto ao máximo em registrar questões pessoais sobre profissionais envolvidos na produção de conteúdo audiovisual, e só costumo entrar nessa seara quando o assunto afeta diretamente o trabalho ou a obra em desenvolvimento. Definitivamente, falar sobre a vida de famosos não é meu foco, mas a maioria deles hoje acaba se manifestando espontaneamente a respeito de informações antigamente mantidas em esfera reservada a poucos.

Na era do Instagram, que avança muitas casas no tabuleiro que antes cabia a revistas como Caras, a maioria dos artistas está bastante ocupada e preocupada em acumular mais e mais seguidores, nem que para isso precise expor casamento, filhos, cachorros e as próprias curvas. Quanto maior o número de seguidores, maior o cachê para a tal “publi”.

Não vai aqui nenhum julgamento por isso, que fique claro. Mas é preciso entender que a exposição também incentiva a invasão de privacidade. Isso já não deveria surgir no discurso de figuras conhecidas como algo incompreensível.

É triste constatar também que do outro lado, muitos profissionais responsáveis por produções audiovisuais vêm dando cada vez mais peso ao poder de influência de quem arrasta multidões nas redes sociais, fazendo desse fator um apoio à futura bilheteria de um filme, uma série ou um videoclipe que seja. O que tem de “influencer” virando artista de de artista tentando ser “influencer” para não perder espaço não está no gibi.

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Cristina Padiglione

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