Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Thelma, essa peste, endossa vocação de Adriana Esteves

Adriana Esteves e Chay Suede em recente cena de Thelam e Danilo em "Amor de Mãe" / Reprodução

Leio agora no site Notícias da TV que Thelma, personagem de Adriana Esteves em “Amor de Mãe”, vai até matar para manter o segredo de que Danilo (Chay Sued) é Domênico. Segundo Carla Bittencourt, colunista do jornal Extra, ela vai atropelar Rita (Mariana Nunes) no capítulo 100 da história de Manuela Dias, previsto para ir ao ar em 19 de março.

Faz tempo que Thelma já não se mostra uma pessoa confiável, para não dizer muito fdp, falemos o português claro. Era dessa dualidade que a autora Manuela Dias e o diretor José Luiz Villamarim falavam quando anunciaram o folhetim, lá em novembro. Não que isso já não tenha surgido nos primeiros capítulos, com Lurdes (então Lucy Alves) matando o marido e a seguir, com Vitória (Taís Araújo) reconhecendo que largou um filho para trás na vida.

Mas o pecado de Thelma não merece dela uma revisão, um arrependimento, nem mesmo um gesto de compaixão a quem foi prejudicado por sua insanidade. Assim como Álvaro (Irandhir Santos) tem apenas seus pontos fracos, sendo desde sempre um vilão de fato, Thelma tem poucas ressalvas, talvez nenhuma, atenuando sua maldade: criou o filho como se fosse um brinquedo de sua propriedade, forçou a barra para a gravidez da nora, Camila (Jéssica Ellen) e, como indicavam os flashbacks ao longo da novela, trocou uma criança por outra assim que seu filho legítimo morreu no incêndio que matou seu marido.

Sozinha na vida, ou quase, deu para brincar de Deus e fazer tudo a seu modo. Thelma, saberemos agora, é bem pior que Álvaro, pois na vozinha mansa e no sorriso terno, omite monstruosidades impensáveis.

A ADOÇÃO

Danilo soube no capítulo desta quinta-feira (27) que foi adotado. A cena encerrou o episódio do dia, em um breve diálogo com Camila, que voltava então de uma viagem a Malaquitas (RN), onde foi surpreendida pela apresentação de sua mãe biológica, Rita (Mariana Nunes). Como já se pode perceber, não há ponto sem nó nessa história. Ao relatar a Rita que “kátia” levou seu Domênico embora, Lurdes (Regina Casé) desperta a atenção da mãe arrependida por ter abandonado Camila à beira da estrada. “Kátia?”, ela pergunta.

Pois Rita seguirá atrás de Lurdes no Rio, na tentativa de conseguir o perdão de Camila, que mal olhou no seu rosto e não se comoveu com as lágrimas de arrependimento da mulher (veja como até as figuras mais altruístas, como a professora, são capazes de uma frieza desumana diante de situações que pediriam alguma compaixão: de novo a dualidade das personagens salta na tela).

No Rio, Rita contará a Lurdes que quase vendeu seu outro filho a Kátia (personagem vivida por Vera Holtz e morta no início da trama), relatando que um enfermeiro do hospital do Bairro do Passeio tomava nota das crianças lá comercializadas. Quando Lurdes tenta encontrar esse profissional, Thelma, a quem Lurdes havia confidenciado sua descoberta, dará um jeito de sumir com as provas do tal enfermeiro. Rita, percebendo a manobra, vai tomar satisfações com ela e vai parar debaixo dos pneus do carro da comerciante.

Convém notar como Manuela Dias traça um enredo com acontecimentos diários, sem dar espaço a barrigas (períodos em que uma novela normalmente patina, sem fazer a história girar). A narrativa e o ritmo podem até se aproximar do modelo de série, mas não omitem sua condição de melodrama na veia.

Thelma saberá que Danilo é Domênico durante uma retrospectiva de imagens que os filhos de Lurdes lhe preparam em seu aniversário. No meio das fotos, lá está o único registro de Domênico, aos 2 anos, imediatamente reconhecido por Thelma.

Antes disso, ciente de que é adotado, Danilo confronta a mãe e ouvirá dela outra cascata: a de que foi adotado ainda recém-nascido, na maternidade, quando seu filho biológico morreu. Esse trecho da sinopse veio parar nas minhas mãos mais de um mês antes da estreia e publiquei o enredo na coluna Zapping, que assino no jornal Agora São Paulo, deste mesmo grupo Folha. Na ocasião, a assessoria de comunicação da Globo se apressou em me informar que eu estava “errada”, pois Domênico não seria vendido ainda na maternidade, mas só aos 2 anos.

Sim, a história de fato não seria esta, mas é a trama que Thelma inventa para despistar alguém mais enganado, muito mais enganado que eu, que àquela altura já tinha uma pista desse suspense, prontamente desmentida por vias oficiais. Pobre Danilo.

ADRIANA, A MALVADA

Na apresentação das personagens de “Amor de Mãe”, cheguei a comentar com Adriana Esteves que Thelma seria sua primeira personagem positiva, do bem, digamos assim, em novela das nove, depois dos troféus arrebatados por Carminha, de “Avenida Brasil”, em 2012. Naquela ocasião, nossa memória mais recente de um trabalho seu vinha da ótima série “Assédio”, uma interpretação visceral de uma das vítimas do doutor Roger (Antonio Calloni), inspirado no real Roger Abdelmassih.

Adriana também esteve em “Justiça”, primorosa série da mesma Manuela Dias, com direção do mesmo José Luiz Villamarim, a dupla de “Amor de Mãe”, em papel de gente muito boa e sacaneada pela vida.

Mas na novela das nove, desde Carminha, Adriana acumula pestes, o que de certa forma são uma bênção para qualquer ator, já que são os vilões que fazem a história andar, provocando nos mocinhos as devidas reações. Primeiro foi Inês, personagem que quis competir com a maldade de Glória Pires em “Babilônia” (2014), uma novela que era ótima e foi estragada pela tentativa da direção da Globo em agradar o público conservador. Depois veio Laureta em “Segundo Sol” (2018).

Quando mencionei com Adriana que ela só viveu gente ruim na novela das nove desde “Avenida Brasil”, ela até me entendeu mal: “Que isso? Você não conhece minha trajetória, meu amor”, disse-me, por ocasião da festa de lançamento da novela de Manuela. Então expliquei melhor: “em novela das nove, após Carminha, só vieram personagens do mal: é evidente que eu conheço sua trajetória”, esclareci, emendando que ao fim de “Avenida Brasil”, fiz um longo tratado sobre seus caminhos desde que foi alçada a nova queridinha da TV, de um dia para o outro, passando depois pelo calvário de “Renascer” (1993), quando as revistas de fofoca e novelas (na era pré-internet) destruíram sua performance por causa de uma personagem controversa, até a glória das glórias, conquistada no Divino de “Avenida Brasil”.

A atriz chegou onde chegou porque atravessou com obstinação todas as etapas até encontrar sua Carminha, com as nuances e o humor que a vilã conseguiu entregar ao público. No seu DNA, não custa lembrar, havia Sandrinha, aquela que puxava a calcinha presa ao rego do bumbum, em público, em “Torre de Babel” (1998), e Nazaré (sim, foi ela quem viveu a personagem de Renata Sorrah na primeira etapa de “Senhora do Destino”, em 2003).

Mas todas as malvadas antes de Thelma já mostravam ao espectador desde o início que não mereciam confiança. A personagem da vez é certamente a mais nociva de todas, por ser aquele docinho de pessoa que só sufoca o mundo ao seu redor e prejudica muita gente, sem que os mocinhos se deem conta em tempo de se salvarem. Talvez nem tarja preta resolva, no caso dela. Mas o que tem de gente assim por aí, deus-nos-livre.

PSICOPATA

Um adendo sobre Álvaro. Tive a sorte de reencontrar há uma semana o renomado psiquiatra Táki Kordás, a quem entrevistei na época de “Avenida Brasil”, quando ele construiu, a meu pedido, um perfil dos principais personagens da trama de João Emanuel Carneiro. Disse-me ele que o fato de o vilão cuidar de seu casamento e de ter apreço pelo filho, mesmo não sendo biologicamente seu, não equivale a uma atenuante da maldade dele. “Os psicopatas, de modo geral, são muito atentos e cuidadosos com o casamento e a família”, alertou-me o médico.

Deste modo, o que parece ser um toque de cor na zona cinzenta do industrial é apenas parte de seu caráter como psicopata. No mais, sua pseudo bondade se restringe à forma como se apresenta: sempre em tons claros, em contraposição ao afável Raul (Murilo Benício), adepto do guarda-roupa escuro, invertendo assim o clichê de figurinos da dramaturgia. Aqui não tem rosa nem azul: mocinho veste preto e vilão veste branco, mas todos têm seus tons de cinza.

 

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Cristina Padiglione

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