Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Nova série de Bruno Mazzeo e Joana Jabace é quase um reality show

Murilo (Bruno Mazzeo) na banheira, lavando legumes entregues pelo mercado/Reprodução

Sorte do roteirista quem tem boa diretora de TV em casa. Sabendo escrever bons diálogos e atuando em cena, pode-se protagonizar uma série feita em casa que não pareça uma live, estética rara nas produções atuais.

Mas é preciso mais que sorte para alcançar resultado. O roteirista trabalha com uma equipe azeitada na arte de fazer rir, tem timing para reforçar a graça diante das câmeras, e a diretora é tinhosa na obsessão estética: não se contenta com qualquer luz nem com enquadramentos rasteiros, sem falar na precisão do áudio, item que quase sempre denuncia o caráter caseiro das cenas feitas na quarentena.

Vendo “Diário de um Confinado”, que estreou nesta sexta-feira (26) no GloboPlay e chega à Globo neste sábado (4), após a novela das nove, tem-se a percepção de que a produção foi feita em condições normais de temperatura e pressão, mas a realidade passou longe disso. Nos bastidores, o apartamento do ator/roteirista e da diretora serviu de set em pleno período de isolamento social, e portanto com o mínimo de pessoas possível, mas com a presença absolutamente incomum de duas crianças de 3 anos, Francisco e José, filhos de Bruno Mazzeo e Joana Jabace.

O cenário é o apartamento da família, e a única atriz com quem esse personagem solteiro contracena, Débora Bloch, é de fato vizinha deles na vida real. Ah, sim, ele também cruzará com Matheus Nachtergaele, que mora na vizinhança e estará excepcionalmente na rua para passear com seus cachorros.

A proximidade da produção com o terreno da vida real de seus criadores faz de “Diário de um Confinado” quase um reality show no sentido de gincana mesmo, superando situações tão adversas. Um making of da série seria algo como aqueles programas que se ocupam de filmar a vida de um clã famoso, formato referendado por The Osbournes.

Joana Jabace e Bruno Mazzeo durante as gravações / Divulgação

É libertador rir do confinamento e “Diário” nos brinda com a gargalhada sobre este momento. Em videoconferência promovida pela Globo, pergunto a Mazzeo como é possível tirar humor desse cenário terrível que enfrentamos hoje. De pronto, ele lembra que “a comédia vem naturalmente da tragédia, então, para comédia, isso é um prato cheio”.

“A gente não fala da doença em si. Logo que a quarentena teve início, comecei a ouvir relatos de amigos, memes, e tem um olhar cômico sobre tudo isso, há algum tempo, diríamos que essa situação seria uma distopia”, diz ele. “A gente não ri da doença”, completa Joana.

Se a série é perecível e vai perder a graça quando tudo voltar ao normal, ou ao “novo normal”, como já se fala, eles não sabem dizer. Ao assistir aos primeiros episódios, no entanto, tenho a sensação que o prazo de validade de “Diário de Um Confinado” não se encerrará com o isolamento social. Mas é inegável que o enredo nos provoca um riso mais fácil neste momento.

O casal sabe disso. Tanto assim que criou, produziu e lançou a série em um prazo de um mês e meio. “A gente tinha uma urgência porque a série fala de coisas que daqui a pouco podem ser banais. Teve dia em que eu terminei de escrever uma cena ao meio dia e às 4 da tarde a gente estava gravando.”

Joana confessa que sente falta do calor do set, mas a experiência, inédita, a fez perceber ainda mais a relevância dos profissionais que se encarregam de preparar tudo para gravações e de arrumar a bagunça deixada pela cena, o que, no caso de Diário, coube mesmo aos moradores da casa.

“Sinto muita falta dessa interlocução do set. Embora tenhamos contado com figurinistas e outros profissionais que estão no projeto, a gente não esteve em contato com eles. Talvez a gente absorva muitos costumes que não tínhamos. Acho que a gente aprendeu a ser mais prático”, ela fala.

“A dramaturgia acho que vai sofrer, as produções terão que ser menores, a gente fez uma coisa agora, uma prova de que a gente vai se reinventar, a arte, a série, tudo está sempre se reinventando de acordo com a sua época, sobretudo em momentos de exceção”, completa Mazzeo, citando o cinema argentino como exemplo de boas produções realizadas com orçamentos mais modestos.

A equipe contou ainda com um diretor de fotografia no set, Glauco, que uma vez largou a câmera no automático para entreter o pequeno Francisco com brincadeiras de super-herói, antes que ele se manifestasse e colocasse a gravação do momento a perder.

“Eu achei que eles adorariam estar no set porque eu adorava ir ao set quando era pequeno e o meu filho mais velho, João, também adorava. Mas eles odiaram”, disse Mazzeo, filho de Chico Anysio e Alcione Mazzeo, desde cedo habituado a esse universo. “Eles não odiaram”, contemporiza Joana. “Ah, odiaram, sim, imagina não poder andar pra lá e pra cá quando você quer, na sua própria casa”, explicou o pai.

No início da quarentena, as crianças estavam adorando ter os pais em casa o tempo todo, o que aumentou a contrariedade do período de gravações.

Além de Débora Bloch e Matheus Nachtergaele, a série conta com outras participações especiais, com ênfase para Renata Sorrah, mãe de Murilo, personagem vivido por Mazzeo. Todos receberam kits em casa para gravar suas participações. Murilo conversa com a mãe por videochamada e só ouvindo aqueles diálogos nos damos conta de como estamos mergulhados em um arsenal de informações contraditórias. A mãe, relata Murilo, é sua fonte de fake news: quando algo aparece nos grupos de WhatsApp ou nas redes sociais dela, ele já sabe que a notícia é falsa.

Fernanda Torres faz a terapeuta, que o atende por videochamada e parece mais surtada que o cliente, ao ser interrompida pelo filho -o garoto é interpretado pelo próprio Joaquim Torres, filho da atriz com o diretor Andrucha Waddington (outro casamento que une direção, atuação e roteiro).

Para se certificar de que o áudio sairia com perfeição, além de se encarregar de microfonar Mazzeo, Joana também pediu à Globo uma câmera que captasse áudio com mais sensibilidade.

O casal concentrou quase toda a série na sala de casa, com algumas cenas de banheiro e cozinha. “Todo dia a gente achava que não ia dar, que não ia conseguir. Saímos mais fortes disso, se nosso casamento atravessou isso, passa por qualquer coisa”, diz Joana. Até o sono dos gêmeos, no meio da tarde, era tratado como horário estratégico para gravar.

“Diário de um Confinado” tem seis episódios de dez minutos cada, podem ser vistos numa só tacada. O programa chegará à Globo em julho e também ao Multishow, rendendo ainda pílulas para o GNT.

“No último episódio, a gente fala mais concretamente sobre isso [adaptação]: o show não vai parar, os artistas se reinventam, a cortina não vai fechar. O fato de a gente colocar um produto inédito no Globoplay tem uma força, a gente fala sobre a ressignificação da arte. Pra gente, foi muito intenso e muito forte não ficar parado, saber que a gente conseguiu se reinventar no meio de tudo isso que está acontecendo dá muito orgulho. Penso em milhões de outras coisas pra se fazer nesse momento pandemia, histórias de um elenco restrito, de poucas locações. O confinado mostrou pra gente que é possível, que a gente sempre se adapta.”

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Cristina Padiglione

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