Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Novo Mundo’: romancear História em forma de novela ganha bom fôlego

Insira alguns personagens fictícios, com os conflitos necessários a um bom romance, na moldura de um quadro cujo cenário e situação já sejam velhos conhecidos do imaginário popular. Vá lá, isso, apenas, não basta. A história inventada em meio à história real tem de ser atraente, assim como a narrativa. Mas, ainda que não seja, o fato de apresentar ao público figuras e episódios que habitam sua memória afetiva desde sempre já é um grande salto para cativar a audiência.

Poderíamos estar aqui falando do Moisés de “Os Dez Mandamentos”, do Josué de “A Terra Prometida”, ou do Tiradentes de “Liberdade Liberdade”. Lá atrás, Rubem Fonseca fez isso em “Agosto”, romance emoldurado pelos últimos dias de Getúlio Vargas, transformado em minissérie na Globo. Em suma, não estamos tratando de uma novidade. Agora, falamos de D. Pedro, D. João, Leopoldina e toda a corte portuguesa que por aqui baixaram desde 1808, em “Novo Mundo”, título que se apresenta de forma muito convidativa como nova novela das seis da Globo, desde essa quarta, 22 de março. Estamos falando de uma sequência de histórias de grandes Histórias que servem de cenário ao formato de novela, folhetim puro sangue. De um lado, os produtores, Globo ou Record, encontram uma zona de conforto para contar uma história. De outro, por mais ficção que ali se faça, há a possibilidade de a narrativa despertar na plateia uma curiosidade que a motive a conhecer a origem dos personagens e situações reais ali representados, o que dá à TV a nobre função de estimular o conhecimento.

Mas, História por história, o que pega mesmo, como diria Taíssa Stivanin, é o bom beijo na boca. Em “Novo Mundo”, D. Pedro tem cara de Caio Castro e é pegador. Leopoldina (Letícia Colin) é encantadora e o considera lindo, só pelo retratinho que carrega na bagagem de vinda para o Brasil. Léo Jaime surge como D. João e, inevitável, faz o telespectador abrir um sorriso. Mas quem manda no primeiro capítulo, de fato, são Chay Suede e Ingrid Guimarães, representantes da companhia teatral que se apresenta para sua Alteza Leopoldina e protagoniza uma incansável sequência de perseguição. Tudo isso, a um som que muito remete ao tom de aventura da franquia “Piratas do Caribe”. É impossível não pensar em Jack Sparrow enquanto se fala do futuro da senhora D.Pedro. Todo esse contexto embala um produto bastante atraente.

Dos estreantes Thereza Falcão e Alessandro Marson, a novela tem direção de Vinicius Coimbra, que já conhece o horário das seis com êxito (“Lado a Lado” levou até Emmy) e a época, de cor e salteado, desde “Liberdade Liberdade”. Uma tomada aérea da cidade cenográfica dá até a ideia de que aquele pedaço, ainda no ano passado, era abrigado por Vila Rica, com a turma de Tiradentes, incluindo o lendário Mão de Luva (Marco Ricca). Agora, as esquinas se prestam a outros ângulos.

O ar de déjà vu é inevitável, inclusive porque estamos revisitando nosso imperador e aquele pessoal da corte portuguesa. Você e eu conhecemos aqueles personagens de muito tempo e temos a sensação de quem ganhou um bônus, ao ter a chance de trafegar pelos bastidores de uma gente tão relevante para o nosso passado (e presente também, já que tudo vem de lá). Quem há de negar que é divertido estar entre eles, como espécies de testemunhas da História?

A narrativa tem êxito, os diálogos são enxutos, curtos, diretos, mas sem aquele didatismo que subestima o telespectador. O elenco se apresenta em boa performance, a direção se mostra sob medida e a abertura é especialmente acima da média, bem pensada e bem realizada: quando uma barra de ouro é surrupiada de um lado para escorregar no bolso alheio e dali passar de mão e mão, temos não só a breve associação imediata ao episódio que dominou o primeiro capítulo, mas à nossa História, desde sempre, com ouro se esvaindo daqui para Portugal e de lá para os ingleses. E temos então a clara identificação de quem sempre viu e continua vendo alguma barra de ouro sumir do patrimônio público para ser manuseada por mãos leves para benefícios particulares. Continuamos sendo assaltados, essa é a leitura deixada pela edição de abertura. Quem duvida?

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Cristina Padiglione

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