Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘O Brasil não mudou em 30 anos, por isso a novela continua atual’: Gilberto Braga sobre ‘Vale Tudo’

O Brasil não mudou nada em 30 anos. Infelizmente. Essa é a opinião de Gilberto Braga, dramaturgo que em 1988 propôs, por meio da novela “Vale Tudo”, a questão: “vale a pena ser honesto no Brasil, um país onde tanta gente se dá bem, sendo desonesta?”

Em celebração aos 30 anos do folhetim, um clássico da nossa teledramaturgia, o canal Viva reprisará a novela mais uma vez, a partir do dia 18, às 15h30 e à 0h30.

Em conversa exclusiva com o TelePadi, o autor disse que se refizesse hoje “Vale Tudo”, assinada por ele, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, voltaria a escrever a cena em que Marco Aurélio, o corrupto empresário vivido por Reginaldo Faria, fugia em seu jatinho, dando uma banana (gesto de braços cruzados que indica xingamento) para o país, lá de cima, mirando o cartão postal do Rio com absoluto desdém.

A percepção de Gilberto sobre o país representa uma marcha à ré em suas expectativas. Em 2011, quando repetiu a cena da fuga do empresário corrupto, então vivido por Herson Capri, em seu jatinho particular, na novela “Insensato Coração”, o plano do vilão era interrompido por um par de algemas que de repente o detinha. Na ocasião, o autor declarou, esperançoso, que o Brasil já não aceitava mais a impunidade.

Agora, digo-lhe: há exemplos de punição na Operação Lava-Jato, mas também de muitos acusados, com provas cabais, que escapam da Justiça. “Você ainda acredita que o país não aceita impunidade?”, pergunto-lhe. “Não, infelizmente, nada mudou”, ele responde. “Marco Aurélio, hoje, sairia livre de novo”.

  • Há 30 anos, quando escreveu a novela, passava por aquela discussão proposta pelo enredo da filha que lesa a própria mãe – Maria de Fátima (Glória Pires) X Raquel Acioli (Regina Duarte) – a esperança de um Brasil melhor dali a 30 anos? “Sim, eu tinha esperança de que seria um país melhor, claro, como todo mundo.”

Para Gilberto, a única mudança cabível na produção seria na trilha sonora.

Ele nunca escondeu que detestava o tema de Maria de Fátima (“Pense e Dance”, do Barão Vermelho). Não mudaria, é claro, a abertura, com Gal Costa interpretando, quase em tom de protesto, a canção de Cazuza (“Brasil”) nem Gonzaguinha explicitando que “a gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela”, convenhamos, uma letra muito adequada para os dias de hoje.

Ao livro “Teletema”, de Vincent Villari e Guilherme Bryan (Dash Editora, 2014), Gilberto disse: “Eu queria que ‘Tá Combinado’ (Maria Bethânia) fosse tema da Fátima e do César (Carlos Alberto Ricelli), que eram os verdadeiros combinados. ‘Então tá combinado, é quase nada, é tudo somente sexo e amizade’. E eu também não achava que Maria Bethânia tinha clima para Raquel. Queria uma música mais brega, mas o Daniel impôs. E ‘Pense e Dance’ foi outra briga. Achava frágil para a Fátima. Ela precisava de uma música mais densa e ele dizia que eu estava careta. , que não gosto de rock. Veja bem, nada contra o rock. Mas essa música era menor que a personagem.”

Daniel Filho e Gilberto também se desentenderam sobre alguns pontos da escalação do elenco. O então chefe da Central Globo de Produção  achava que Beatriz Segall, nome sugerido pelo diretor Paulo Ubiratan, não era uma boa opção para viver a supermegera Odete Roitman. Mesmo quando a performance da atriz se tornou um dos maiores expoentes do sucesso da novela, Daniel, segundo Gilberto, não deu o braço a torcer. “Ele dizia que o sucesso era só pela personagem, que era ótima, e não por causa da Beatriz”, disse-me o autor em uma outra ocasião, ainda em 2015, pouco antes da estreia de “Babilônia”, sua última novela.

Noves fora, o título fez sucesso para além dos números do Ibope. Suscitou grandes discussões no país sobre ética e relações humanas. Também foi a primeira novela a abordar a homossexualidade sob o contexto dos direitos civis entre parceiros do mesmo sexo. Na história, as lésbicas Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Christina Proshaska) viviam juntas em uma pousada em Búzios, propriedade de ambas. Quando Cecília morre, em um acidente de carro, Laís se vê no desconforto de reivindicar a condição de herdeira para a família dela.

“Vale Tudo” fez parte da primeira safra de novelas revisitadas pelo canal Viva, ainda em 2010, e se mostrou um enorme sucesso, tantos anos depois, com engajamento de relevância nas redes sociais – especialmente o Twitter. A repercussão do enredo, na época, só ratifica a ideia de que a novela não envelheceu, na opinião do autor.

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Cristina Padiglione

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