Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

O2 Filmes completa 30 anos de grandes cenas, sem depender de verba pública

Cena de 'Cidade de Deus', filme realizado pela produtora que teve quatro indicações ao Oscar / Divulgação

Sim, a O2 Filmes, uma das mais importantes produtoras brasileiras, ou a mais relevante de todas, a julgar pela repercussão e premiação de seus filmes mundo afora, sobrevive muito bem, hoje, sem a verba pública que tanta falta faz a milhares de outras produtoras independentes brasileiras. Mas ali já se vai uma trajetória que vai até além de seus 30 anos, iniciada antes, pela Olhar Eletrônico, precursora desse modelo no Brasil.

A capacidade de sobreviver sem incentivo público neste momento não foi exatamente uma opção –embora a empresa tenha se planejado para não ficar à mercê do humor de cada governo– nem chega a ser apenas meritocracia de quem se estabeleceu no mercado. A própria O2 muito já se beneficiou das leis de incentivo que aqueceram a indústria do audiovisual entre 2012 e 2018, quando seus recursos funcionavam para gerar milhares de empregos.

Até “Marighella”, que está em cartaz, último grande lançamento da O2, tem dedo de Ancine, mas os recursos públicos são mínimos no longa-metragem e, mesmo assim, foi a Ancine que impediu seu lançamento antes da pandemia, por imposições burocráticas que o diretor Wagner Moura tratou mesmo como tentativa do atual governo de azedar seu primeiro longa-metragem.

Fundador da O2, o cineasta Fernando Meirelles se orgulha de ter no atual portfólio de produções da casa parcerias com as principais empresas de streaming e de TV, no caso, a Globo, sem ter de se submeter a uma turma que vê incentivo fiscal como “mamata”, termo que os bolsonaristas só enxergam na área cultural, visto que vários outros segmentos, inclusive de armas, são merecedores de facilidades tributárias semelhantes.

Muito antes de se pensar em Lei da TV paga, cotas e afins, nos tempos em que a TV brasileira pregava a ideia de que suas produções só poderiam ser feitas dentro de casa e o termo “produção independente” era quase ficção científica, ao contrário do mercado americano, Fernando Meirelles, uym dos sócios-fundadores da O2, já pisava nesse terreno pela Olhar Eletrônico, produtora independente criada e abastecida na era em que sinal de TV era auxiliado por palha de aço espetada em suas anteninhas.

A Olhar Eletrônico tinha um puxadinho, digamos assim, no terreno de Goulart de Andrade na TV Gazeta.

No programa, o repórter Ernesto Varela, personagem que revelou Marcelo Tas para as lentes, fazia-se de ingênuo para conseguir perguntar o que todos nós gostaríamos, mas não tínhamos chance. Meirelles, assim como Toniko Mello, Adriano Goldenberg e outros profissionais hoje grifados, era ninguém menos que o próprio câmera de Varela, tratado como “Valdeci”.
Fundada em 1991, pelos diretores Fernando Meirelles e Paulo Morelli e pela produtora Andrea Barata Ribeiro, a O2 surgiu como uma produtora de filmes publicitários, justamente porque era inviável, naquele tempo, fazer o negócio crescer por meio de produção de conteúdo de cinema e TV.
Muito rolo de filme foi consumido até que a produtora pisasse com respeito num terreno que hoje lhe é fértil –mas nem sempre foi assim– de cinema, com filmes como “Cidade de Deus” (2002) e “Lixo Extraordinário” (2010), vencedor do prêmio do público em Sundance, alguns dos títulos que levaram a produtora ao tapete vermelho com cinco indicações ao Oscar (incluindo direção e direção de fotografia), além de muitos prêmios em festivais do mundo inteiro.

Na TV, uma série de títulos com assinatura da O2 emplacou vaga entre os finalistas ao Ammy International, a saber “Ópera Aberta – Pescadores de Pérolas” (HBO, 2019), “PSI” (HBO, 2018/2015), “Os Experientes” (Globo, 2016), “Som e Fúria” (Globo, 2010), “Antônia” (Globo, 2007) e “Cidade dos Homens” (Globo, 2005) e “Segunda Chamada” (Globo, 2019 e 2021).

Dois dos maiores equívocos cometidos pela Globo ao longo desses 30 anos estão nessa lista: as interrupções de “Som e Fúria” e “Os Experientes” na 1ª temporada. O primeiro título, adaptação de uma série canadense, teve seu cenário mantido intacto ao longo de um ano, à espera de uma decisão da emissora por uma 2ª safra, com Dan Stulbach, Regina Casé, Felipe Camargo, Andréa Beltrão e Maria Flor. Como aquilo era bom, ágil, moderno, melhor até que o original canadense.

Felipe Camargo e Andréa Beltrão / Memória Globo

No caso de “Os Experientes”, a Globo fez pior: a direção da Globo à época, capitaneada por Silvio de Abreu, quis interferir na concepção da série, cuja 1ª temporada foi excepcional, e a produtora então abriu mão da produção, mesmo sendo autora do projeto e já tendo finalizado algumas gravações. A emissora chegou a planejar episódios por meio de sua equipe interna, mas a coisa não foi adiante.

“Os Experientes” foi a última produção feita por Beatriz Segall, que morreria dois anos depois. Ela protagonizava um episódio escrito por Antonio Prata que vale a pena ser revisitado (ou visitado, para quem não viu) no GloboPlay, no ano seguinte.

Assim, agradeço à O2 por ter nos brindado com “Som e Fúria” e “Os Experientes”, e lamento a falta de sensibilidade da Globo para não ter tocado esses projetos em frente.

Dando seguimento à infinita lista de produções, a O2 assina também “Malasartes e o Duelo com a Morte”, filme que foi fatiado em minissérie e se tornou o título mais visto do gênero na TV em 2017.

Atualmente, a O2 está produzindo sete séries em parceria com grandes vitrines do streaming: Netflix, Amazon, Warner/HBO Max e Globoplay. Na Netflix, uma 2ª temporada de “Irmandade” está em campo. Na HBO Max, aguardo, ansiosa, pela nova temporada de “Pico da Neblina”, ótima série sobre uma hipotética legalização da maconha no Brasil.

Na atual conjuntura, a produtora, lindamente instalada no bairro que se tornou o canteiro dos estúdios em São Paulo, na Vila Leopoldina, tem um departamento específico para o desenvolvimento e formatação de novos projetos, que conta com mais de 20 roteiristas, passando por estúdios próprios, locadora de equipamentos, distribuidora, além da O2 Pós, uma das maiores casas de Pós-Produção da América Latina.

Com unidade também no Rio, a O2 tem em sua casa de finalização um time que soma cerca de 200 pessoas e já finalizou mais de 600 projetos de entretenimento. A empresa é aberta ao mercado desde 2013.

Um de seus braços recentes é a O2 Play, que nasceu para promover filmes nacionais e já distribuiu quase 400 obras, agora expandindo operações para projetos internacionais.

Além de “Marighella”, faz parte dos lançamentos recentes da O2 o filme “7 Prisioneiros”, com Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, que esteve no top 10 dos filmes mais assistidos na Netflix no mundo.

É preciso dizer que o avanço na área de cinema e conteúdo para a TV não inibiu, muito pelo contrário, a dedicação ao mercado publicitário, onde a produtora está entre as mais solicitadas. A O2 Filmes foi vencedora de dois prêmios no Profissionais do Ano na categoria Nacional com as campanhas Santander SX e Itaú Privacidade, totalizando 32 troféus acumulados nesta premiação.

O2 E SUAS TRÊS CABEÇAS

Fernando Meirelles, Andréa Barata Ribeiro e Paulo Morelli na sede da O2, na Vila Leopoldina / Divulgação

FERNANDO MEIRELLES

É diretor e um dos sócios-fundadores da O2. Passou 10 anos dirigindo publicidade antes de começar a dirigir longas-metragens. Recebeu 18 vezes o Profissionais do Ano. Assina a direção de títulos premiados como “Cidade de Deus”, “O Jardineiro Fiel”, “360”, “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Dois Papas”, acumulando 11 indicações ao Oscar.

No quesito que une as mais relevantes premiações do audiovisual, projeção mundial e zero de empáfia, Meirelles é campeão, tornando muito difícil a vida de cineastas que se apresentam como a última bolacha do pacote. E ainda planta café, cana, abacate e goiaba orgânicas e está entrando no mundo da pupunha, do caju e do coco anão, sempre muito conectado com as questões do meio ambiente.

ANDREA BARATA RIBEIRO

É sócia-fundadora e produtora executiva da O2, responsável por diversos filmes, séries e campanhas publicitárias da casa. Em 2005, foi considerada pela revista de cinema americana Variety uma das produtoras mais influentes do mundo e em 2021 foi anunciada como membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

PAULO MORELLI
Fundou a O2 Filmes junto com Fernando Meirelles e Andrea Barata nos anos 90. Dirigiu filmes como “Cidade dos Homens”, “Viva Voz”, “Entre Nós” e “Malasartes e o Duelo com a Morte”, longa-metragem que teve o maior número de efeitos visuais do Brasil até hoje.

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione