Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘O Outro Lado do Paraíso’ é melhor como propaganda turística do que como novela

Marieta Severo e a pedra que muda sua conversa com o avô da noiva que pretendia dispensar

É claro que o título acima , precipitado, vale para primeiro capítulo, e se novela não fosse negócio rentável, não duraria cento e tantos episódios. Mas é justamente o primeiro capítulo que tem a missão de fisgar o telespectador, ainda mais após um produto tão bem sucedido como foi “A Força do Querer”, de Glória Perez.

Dito isso, é preciso avaliar que a estreia de “O Outro Lado do Paraíso”, novela de Walcyr Carrasco, com direção artística de Mauro Mendonça Filho, encantou muito pelas imagens, pelo jogo de câmeras (um rodopio incessante sobre as profecias de Mercedes/Fernanda Montenegro beirou a provocação de uma labirintite no espectador, porém impressionou), trilha sonora, luz, atuação do elenco, mas não pelo texto, não pela história, ainda mal apresentada. O que temos por hoje é um enredo de amor embalado por um sujeito desequilibrado (Gael/Sérgio Guizé), uma boa moça (Clara/Bianca Bin) e uma sogra ambiciosa (Sophia/Marieta Severo).

A produção é nova, mas os diálogos mergulham num mar de clichês, no melhor estilo deja vu. “Gael chegou como um vento forte que arrebata e tirou os meus pés do chão (…) me fez voar” (Clara/Bianca Bin); “eu quero destruir o casamento de fulano” (Juca de Oliveira), “Ouço vozes” (Mercedes/Fernanda Montenegro, a vidente), “procurei por você a vida toda” (Gael/Sérgio Guizé), “já vi que tá mesmo gostando dela” (Raquel/Érika Januza a Renato/Rafael Cardoso).

A mocinha, Clara, levou duas cantadas no primeiro capítulo e se repetiu na reação – “fico envergonhada”/”fico sem jeito”. Para quem diz não ser muito estudada, criada no meio do mato, nada mal chegar à primeira aula indicando livro de Ruth Rocha (“Marcelo, Marmelo, Martelo”) e usando palavras como “compartilhar”. (Ok, já vão dizer que sou preconceituosa:  por que alguém do meio do mato não poderia pronunciar esse termo, mas a verdade é que não faz parte dos hábitos do mato nem combina com o restrito vocabulário exibido pela personagem na estreia).

O diálogo entre Emílio de Mello e Glória Pires denuncia um homem frio, com carreira em primeiro, segundo e terceiro lugar, mas a sequência remete a uma novela mexicana, dada a artificialidade presente no texto.

Mais artificial que isso, só a cena em que Sophia procura um expert em pedras preciosas, professor de geologia, para definir qual é o valor da pedra encontrada na casa da futura nora. O espectador pode ter pensado que errou de canal. Não, não era uma dublagem do Discovery Channel, mas bem poderia ser.

No conjunto da obra, sobrou atenção estética, faltou capricho ao conteúdo.

Ok, tem Juca de Oliveira e tem Marieta Severo, prontos para mobilizar o ódio da plateia, e tem Lima Duarte, como Josafá, um encanto de figura, capaz de nos fazer lembrar que nem toda a humanidade deu errado.

Walcyr não é de render pouca audiência. Apesar dos diálogos lugar-comum, é bom desenvolvedor, cria amarras para atrair o público e consegue sua torcida para os assuntos mais controversos (vide o beijo gay de Félix, em “Amor à vida”, aplaudido até por conservadores, e prostituição, drogas e suicídio em “Verdades Secretas”). Até por isso, convém aguardar que os próximos capítulos agucem a fome de história desse público órfão de Glória Perez.

Por enquanto, tudo o que eu sinto, no entanto,  é vontade de ir ao Jalapão, sem medo de perder a novela das nove.

 

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Cristina Padiglione

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