Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Pobreza menstrual, drama que Bolsonaro ignora, está na série ‘2ª Chamada’

Jovem entrega pacote de absorventes a outra, após acusá-la de 'roubar' todo o papel higiênico da escola / Reprodução

A pobreza menstrual, tema que entrou no foco das discussões esta semana devido a mais uma decisão equivocada do presidente Jair Bolsonaro, é assunto abordado com propriedade no 2º episódio da 2ª temporada de “Segunda Chamada”, série de  Carla Faour e Julia Spadaccini, com direção artística de Joana Jabace. Original do GloboPlay, a nova safra foi lançada recentemente.

Um grupo de sem-teto é convidado pela professora Lúcia (Débora Bloch) a voltar a estudar. Além do prazer vocacional que Lúcia demonstra pelo ofício de ensinar, ela também é motivada a tanto para evitar que a unidade em que leciona, da EJA –Educação de Jovens e Adultos–, seja fechada por falta de alunos.

Uma das jovens que chega com esse grupo, personagem da atriz Nathaly Rocha, é flagrada no banheiro da escola colocando todo o papel higiênico disponível na bolsa. Uma aluna veterana, papel de Jenniffer Dias, também jovem, mas menos vulnerável que a outra, briga pelo papel higiênico e depois a denuncia a outra professora, Sônia (Hermila Guedes). A mestra, delicadamente, repreende a suposta ladra, que se levanta da carteira escolar e mostra, por baixo de uma blusa amarrada na cintura e uma pochete, a calça suja de sangue. “Olha como é que eu tô”, diz.

Aluna em situação de pobreza menstrual / Reprodução

É uma imagem capaz de comover aqueles que jamais tiveram ideia da apreensão que uma mulher carrega com a possibilidade de manchar uma calça, mas ainda há quem não se sensibilize com as consequências dessa situação.

A professora se desculpa. E a aluna que a denunciou vai encontrá-la mais tarde, no refeitório, oferecendo-lhe um pacote de absorventes para se redimir do vexame. “Também sou mulher, sei como são essas coisas”, diz a denunciante.

A frase não vale para a ministra Damares Alves, dita ministra da “Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”. A que direitos e a que mulheres se refere o título da pasta? Damares apoiou o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda de escolas públicas, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

Para justificar o injustificável, a ministra, evangélica, jogou com o item de maior necessidade do mundo no momento, a vacina contra a Covid-19: “O que é prioridade? Vacina ou absorvente?” Ora, sabemos que uma coisa não exclui a outra nem há qualquer paralelo entre as duas demandas.

O presidente alega que o item não consta na lista de produtos essenciais do SUS e que o projeto “fere o princípio da universalidade, ao estipular beneficiárias específicas”. O que fere o princípio da universalidade é privar milhões de meninas e mulheres de exercerem suas atividades de produtividade, seja para o estudo ou o trabalho, por falta de acesso a um item que lhes é fundamental.

Ninguém menstrua porque quer. E o “princípio da universalidade”, sob os termos alegados por Bolsonaro, já foi “ferido” pela natureza humana, já que homens não menstruam e jamais, em qualquer condição financeira, tiveram de abrir mão de um compromisso por estarem sem acesso a absorventes higiênicos.

O “princípio da universalidade”, a ser levado ao pé da letra, teria de promover condições iguais a todos, e não corroborar a segregação de quem não pode pagar por um absorvente. Se o item não está na lista do SUS, que seja inserido, como manda o novo projeto, aprovado pelo Senado. Se não foi até hoje, que essa lacuna seja corrijida. Espanta ver como Bolsonaro perde tantas oportunidades de aparecer bem na foto.

Na falta acesso a absorventes, mulheres usam roupas velhas, coadores de café, jornais, tufos de algodão, sacolas plásticas e até miolo de pão nos dias de sangramento do ciclo, informa uma pesquisa da Sempre Livre divulgada em 2018. Segundo o estudo, quatro a cada dez pessoas que menstruam no Brasil são afetadas ou conhecem alguém que precisa lidar com pobreza menstrual, embora 94% desconhecessem esse termo na época do levantamento.

Foram entrevistadas 814 mulheres entre 14 e 45 anos das classes C e D. Dessas, 21% declaram ter dificuldades financeiras para comprar produtos de higiene menstrual todos os meses. Isso impacta diretamente a vida dessas pessoas, que deixam de ir à escola ou de trabalhar por não ter acesso a absorventes e materiais de higiene adequado, o que causa constrangimento e, muitas vezes, problemas de saúde.

Qual é o custo das consequências dessa política, em termos de saúde e de produtividade, para um país que priva boa parte de sua mão-de-obra de estudar ou trabalhar por quatro ou cinco dias por mês? Certamente, o que se ganharia em produtividade é muito mais do que o que se perde com tal privação.

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Cristina Padiglione

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