Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Por décadas, Ruth de Souza foi representante única de uma TV sem cotas

Ruth de Souza por ocasião do lançamento da série Se eu Fechar os Olhos Agora/Divulgação

Por décadas a fio, Ruth de Souza e Milton Gonçalves foram representantes únicos de uma TV sem representatividade brasileira. A TV flertava com os cubanos e mexicanos para criar dramalhões e com os europeus e americanos para escalar elencos que pudessem vender sabonete, de preferência com pele e olhos claros.

Negro trabalhando cinema ou TV? Nem em sonho. No máximo, quando o roteiro pedia serviçais e escravos, vá lá, sobrava algum papel. Um sambista, um capoeirista ou um pai-de-santo também rendiam alguns trabalhos, mas mesmo assim, havia o risco de perder o posto para algum branco que pudesse alavancar audiência e bilheteria – vide Sérgio Cardoso, pintado de negro na novela “A Cabana do Pai Tomás” (1969), primeira protagonizada por uma negra, justamente nossa Ruth.

Filha de lavrador e lavadeira, a atriz contou ao site Memória Globo que era apaixonada por cinema desde a infância. “Queria ser atriz, mas naquela época não tinha atores negros, e muita gente ria de mim: ‘Imagina, ela quer ser artista! Não tem artista preto’. Eu ficava meio chateada, mas sabia que ia fazer; como, não sabia.”

Que bom que pudemos ter a chance de ver dona Ruth em produção bacana e recente, na minissérie “Se eu Fechar os Olhos Agora”, de Ricardo Linhares, adaptada do livro de Edney Silvestre. De novo, o enredo remetia a um histórico de racismo, mas, dessa vez, com abordagem capaz de esbofetear uma sociedade hipócrita que esconde seu preconceito sob a falsa premissa de que somos um povo cordial e pacífico.

Sim, o Brasil transborda racismo e só não vê quem nunca experimentou sair à rua caracterizado como Sérgio Cardoso naquela cabana do Pai Tomás.

A nota distribuída pela Globo informa que dona Ruth morreu aos 98 anos neste domingo, às 11h20, no Rio de Janeiro. Estava internada há seis dias no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, na zona sul do Rio, e faleceu em decorrência de complicações de um quadro de pneumonia.

Nascida em 12 de maio de 1921, no bairro carioca do Engenho de Dentro, Ruth Pinto de Souza foi a primeira atriz negra a se apresentar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Em 1945, fez história com a apresentação da montagem “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neil, do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento e Agnaldo Camargo. Ainda no teatro, Ruth esteve em 30 produções e sua trajetória abriu caminhos para o artista negro no Brasil.

Foi a primeira atriz brasileira indicada ao prêmio de melhor atriz num festival internacional de cinema, com “Sinhá Moça”, no Festival de Veneza, em 1954, e atuou em cerca de 40 filmes, destacando-se “O Assalto ao Trem Pagador”, “Orfeu Negro” e “Filhas do Vento”. 

Esteve na TV desde os primeiros dias da Tupi. Fez “A Deusa Vencida” (1965), de Ivani Ribeiro, na TV Excelsior. Passou pela TV Record e, em 1968, foi contratada pela Globo para atuar na novela “Passo dos Ventos”, de Janete Clair.  Esteve em “Os Ossos do Barão”, “O Rebu”, “Duas Vidas” e “O Clone”, num total de 32 novelas e dezenas de outros trabalhos, como os seriados “Memorial de Maria Moura” e “Na Forma da Lei”.

Ruth não tinha filhos, apenas sobrinhos. Em 2019, foi homenageada pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz durante desfile da Série A do carnaval do Rio, com o enredo “Ruth de Souza – Senhora liberdade. Abre as asas sobre nós”.

 

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