Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Filantropia: Projeto Paradiso auxiliou 160 profissionais em 4 anos

Imagem do filme 'Marte 1', beneficiado pelo Projeto Paradiso / Divulgação

Sabe quando você, nobre espectador, se espanta com a súbita relevância do cinema e das séries coreanas? Pois é, isso nada tem de súbito. O boom que o mundo aplaude vindo de lá, de três a quatro anos para cá, é fruto de mais de uma década de investimentos em políticas públicas por parte do governo, com apoio da iniciativa privada, que vai da formação profissional de diretores, roteiristas, produtores e distribuidores, ao financiamento de obras capazes de seduzir Hollywood, Netflix e afins.

Ao completar quatro anos de atividades,o Projeto Paradiso é digno de ser visto como uma iniciativa que deu muito certo e segue avançando na proposta de fazer diferença para a evolução da indústria audiovisual brasileira. Fica a dica.

A sua realização é só a ponta de um largo tecido necessário para fazer a cena girar no Brasil, apontando caminhos decisivos para tanto.

Ao longo desse período, pelo menos 160 profissionais se beneficiaram diretamente de bolsas de estudo, prêmios, cursos e afins para desenvolverem ou concluírem suas obras, graças aos programas da instituição filantrópica bancada pelo Instituto Olga Rabinovitch, cuja premissa é a aposta de que Histórias Mudam o Mundo.

Esse time difunde hoje suas experiências atingindo um incálculavel número de outros profissionais por meio de um termo de compromisso assumido com o Paradiso: todo beneficiado tem de compartilhar suas vivências por um número fixo de horas, seja por meio de eventos individuais ou coletivos, presenciais ou online, com muitos outros que anseiam conhecer os caminhos do ofício. É o braço do projeto batizado como “Paradiso Multiplica”, com a proposta de democratizar o aprendizado.

“Quando a Olga me procurou, ela queria deixar um legado, e num ato muito altruísta e generoso, ela decidiu retornar à sociedade o privilégio dela através de uma atuação filantrópica. Desde o início, sabia que gostava muito de cinema, mas ela não sabia como ajudar”, conta ao blog Josephine Bourgois, diretora executiva do Projeto Paradiso.

COMO FUNCIONA O PROJETO PARADISO?

É uma iniciativa filantrópica do Instituto Olga Rabinovich, que investe em formação profissional e geração de conhecimento com programas de bolsas e mentorias, além de cursos, seminários e estudos. Focado na internacionalização,  atua por meio de parcerias com instituições de referência no Brasil e no mundo, criando oportunidades para profissionais em diferentes fases da carreira.

Os beneficiados são indicados por escolas e instituições parceiras do Paradiso, que mira sempre no CPF, não no CNPJ desse mercado, orientado talentos.

Há quatro anos, ao ouvir as demandas dos profissionais do mercado, Josephine e sua equipe consultaram mais de cem profissionais do meio, entre diretores, roteiristas, produtores, distribuidores, gestores públicos, agências e outros profissionais do ramo. “A gente fazia sempre duas perguntas:
1. Me descreva hoje o mercado do audiovisual
2. O que você acha que uma instituição privada, sem fins lucrativos, pode fazer de diferença em um setor altamente subsidiado, porém comercial. Para mim isso dava um nó.”

A própria Josephine lembra: “Isso foi em 2018, quando o diagnóstico apontava que não havia necessidade de se colocar mais dinheiro na produção em si. Havia um FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) forte, ancorado na Ancine, a Agência Nacional de Cinema. E estávamos num pico: havia então 137 filmes brasileiros para serem lançados naquele ano”.

Josephine-Bourgois, do Projeto Paradiso

“Então não precisava de mais filmes, mas precisava de mais tempo de maturação para esses filmes antes de serem rodados, mais investimento em  desenvolvimento, que é basicamente o trabalho de roteiro. É a qualidade de roteiro. É muito comum aqui no Brasil filmar a versão 2 do roteiro. Acham que ali já está pronto para filmar porque já tem que prestar contas para captar para o próximo projeto, então o sistema vem criando essa lógica de usina, quando, na verdade, ‘Central do Brasil’ foi filmado na versão 18”, ela compara.

São etapas das quais o público, e mesmo a maior parte dos críticos e totalidade dos ditos influenciadores dispostos a falar de audiovisual, não faz a mais remota ideia.

“O que a gente mais ouviu foi que não precisava mais dinheiro para obras, para produtoras, para pessoas jurídicas, mas precisava investir mais nos profissionais do audiovisual, do roteirista, até o produtor e distribuidor, todo mundo precisa de uma formação melhor, e é uma formação profissional, para o mercado, e essa formação era importante que passasse pela internacionalização, aprendendo a fazer cinema com outros olhares, trocando ideias, trocando visões, fazendo contatos, gerando negócios na esfera internacional, que oferece muita formação de curta duração, como laboratórios, residências, cursos intensivos, enfim.”

Assim, no início, muito mais do que ajudar a colocar criações em cartaz, o Paradiso se ocupou de fazer seus criadores passarem pela incubadora, fosse o roteirista que recebe uma bolsa de seis meses, ou  outros processos de formação para produtores, distribuidores e todas as mãos essenciais para fazer funcionar a cadeia do audiovisual.

É no momento do desenvolvimento de um filme que deve-se, por exemplo, responderr à perunta: Para quem é aquele filme? Qual o seu público-alvo? São questões que normalmente a imaturidade da indústria nacional só vai pensar quando o produto está pronto.

“Pra quem eu escrevo é algo que deveria me ajudar a definir algumas coisas desde a etapa do roteiro, que depois vai me ajudar a me conectar com o público. Essa conexão com o público é uma coisa que às vezes o cinema nacional não fica muito preocupado, ou não foi formado para pensar. Pensam mais em botar o filme no mundo. Mas que mundo? Quem vai ver? Como isso gera interesse?”

No exterior, esse conceito de desenho de audiência recebe a nobre tradução de “audience design”, termo cunhado por um laboratório na Itália e alvo de um workshow de audiência trazido pelo Paradiso ao alcance dos profissionais que auxilia.

Os mais diversos olhares sobre a indústria permeiam laboratórios e cursos ocorrendo em países como Luxemburgo, Itália, México, Estados Unidos e outros lugares do mundo nos quais o Paradiso bancou a presença de brasileiros nesses quatro anos.

PÓS-CRISE: DA CULTURA À COVID

Com a chegada do governo Bolsonaro e o desmanche das políticas culturais, o que afetou sobretudo o setor do audiovisual, mais a pandemia, o Projeto Paradiso manteve as premissas de sua criação, mas adaptou seus objetivos para um fator novo: já não havia mais aquela disponibilidade das leis de fomento para bancar tantas iniciativas.

Foi então necessário reduzir o número de projetos auxiliados e ampliar a consultoria e verba destinada a cada um, da produção ao modelo de negócio.

“A maior mudança”, lembra Josephine, “veio de uma reunião do nosso conselho consultivo, de pessoas do cinema, no fim de 2019, quando congelaram todos os programas de exportação e internacionalização do cinema brasileiro, que era uma linha automática da Ancine: os dois programas financiados pela Apex [Agência de Exportação do governo brasileiro] e o do Ministério de Relações Exteriores, o Itamaraty, que costumava mandar passagens para eventos internacionais.”

O festival de Berlim, por exemplo, que era um tradicional foco apoiado por meio do fornecimento de passagens para brasileiros selecionados para a competição e mostra, sumiu desse mapa de apoio.

Nessa indústria de pouco dinheiro em caixa e cifras relevantes presas na Ancine, muitos ficaram sem recursos para pagar até uma passagem, o que representava abrir mão de um lugar conquistado a duras penas. É grande o prejuízo de quem desaparece desses encontros por um ano que seja.

O Paradiso então ocupou esse vácuo e ajudou a bancar passagens para profissionais brasileiros selecionados para os principais festivais do mundo. A iniciativa tem um sistema de prêmios, de US$ 10 mil, para subsidiar passagens aéreas, anúncio/divulgação e até trilha sonora.

Muitos filmes até têm verba pública para serem feitos, mas ficam sem recursos na hora de serem finalizados e, principalmente, difundidos mundo afora, quando poderiam ser vendidos e divulgados para fazer bilheteria e alimentar uma rede de contatos fundamental para a indústria. “É uma lógica míope”, constata Josephine.

DIVERSIDADE

Em quatro anos, só os efeitos do Paradiso Multiplica contabilizam 450 horas de reverberação de experiências difundidas por profissionais apoiados pelo projeto, com apoio de 25 parceiros, entre produtoras, associações e festivais, atingindo 2 mil pessoas em 15 cidades de 15 Estados do Brsil, por meio de 15 palestras, 59 mentorias e oito cursos.

As ações espalhadas pelo Brasil, ainda considerando apenas o Paradiso Multiplica, concentram sua maior parcela no Sudeste, (61%), seguida pelo Sul (15%), Nordeste (12%) e Centro Oeste (12%), mas ainda ínfima na região Norte (2%).

Somando todas as iniciativas do Paradiso, e não apenas as ações do Paradiso Multiplica, o número de parceiros cresce para 43 e inclui vários organismos internacionais.

Diretora de Programas do Paradiso, Rachel do Valle, que levou para a instituição seu conhecimento de dez anos na Bravi (Brasil Audiovisual, associação das produtoras independentes brasileiras) e gerenciou o programa Brazilian Content em parceria com a Apex, comemora, ao lado de Josephine, a pluralidade que o projeteo alcançou em quatro anos.

Em nossa conversa por meio de videoconferência, as duas celebram a reunião ocorrida no ano passado na Cinemateca com 160 beneficiados diretamente pelo Paradiso, formando uma rede bastante diversa, com 44% de negros e uma fatia de 25% de profissionais apoiados no Nordeste. “Formamos uma comunidade de pessoas que não costumam se falar entre si, muitos nem se conhecem e passam a trocar ideias e experiências”, diz Josephine.

“Você agrega valor quando se conecta ao outro. Teve roteirista do Ceará que conseguiu produtora no Rio para realizar sua obra.”

Uma área interna de gestão de talentos foi criada, a fim de alimentar informações sobre o setor, com instituições parceiras.

Entre os programas do Paradiso, há ainda o Show me the Fund, de fundos internacionais que investm em obras brasileiras.

Ao longo de 2022, o programa Brasil no Mundo, do Paradiso, apoiou a presença de 25 filmes e projetos em 12 festivais em cinco mercados distintos. Entre os títulos beneficiados, estão “Marte Um”, “Mãe de Ouro”, “Amores Surdos 1500”, “Fogaréu”, “Três Tigres Tristes”, “Mato Seco em Chamas”, “Raquel 1:1”, “Grito”, “Regra 34”, “Paloma”, “Perlimps”, “MOA”, “Tinnitus”, “Carvão”, Pornomelancolia”, “O Voo do Flamingo”, “O Rio deo Desejo”, “Betânia” e “Eva”.

“Marte 1”, selecionado para representar o Brasil na disputa por uma vaga entre os finalistas ao Oscar deste ano, é um dos orgulhos do Paradiso, tendo sido apoiado com sua divulgação na Argenina e na própria campanha para concorrer ao Oscar.

Diretora de “Carvão”, Carolina Markowicz, é um bom exemplo de profissional auxiliada pelos recursos do Paradiso. O filme dela estreou no Festival de Toronto. Carol recebeu apoio durante o desenvolvimento do longa e depois foi um dos três bolsistas brasileiros para um laboratório de montagem, além de ter sido contemplada com outro workshop internacional para outro projeto beneficiado também com uma bolsa para apresentação da ideia em Berlim.

O Paradiso não abraça documentários, apenas ficção em séries e longas-metragens, embora profissionais dedicados ao segmento de não-ficção sejam também alcançados pelos efeitos do Paradiso Multiplica, que atinge gente envolvida em docs, curtas e projetos experimentais.

Recentemente, o Paradiso lançou em seu canal no YouTube a websérie Histórias Mudam o Mundo – Conversas com quem Faz Cinema. São dez episódios com dez contemplados pelas iniciativas do instituto, contando as trajetórias percorridas por suas obras e os efeitos disso na tela e no repertório de cada um.

“O audiovisual foi o inimigo maior dentro desse esvaziamento sofrido pela cultura [no governo Bolsonaro], porque eles sabem o poder do audiovisual. É um cofre grande, mas é uma indústria. Esse governo não conseguiu entender que ela gera riqueza para o país.”

Abaixo, uma mostra da websérie produzida pelo canal do Projeto Paradiso no YouTub e:

 

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Cristina Padiglione

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