Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Regina Duarte e Globo encerram acordo após mais de 50 anos de trabalho

Regina Duarte durante entrevista a Pedro Bial, quando disse que nunca foi feminista / Divulgação

Desde que Regina Duarte começou a ameaçar “noivar” com o governo de Jair Bolsonaro, a Globo informava que a efetivação da atriz à frente da secretaria de Cultura implicaria o fim de seu contrato com a casa. Entre renovações sucessivas desde a novela “Véu de Noiva”, de 1969, foram pouco mais de 50 anos de uma relação profissional contínua.

“Deixar a TV Globo é como deixar a casa paterna”, disse a atriz em comunicado distribuído pela emissora. “Aqui recebi carinho,  ensinamentos  e tive a oportunidade de interpretar personagens extraordinárias, reveladoras do DNA da mulher brasileira.  Por mais de cinquenta anos sinto que pude viver,  com a grande maioria do povo brasileiro, um caso de  amor que, agora sei, é para sempre. E não existem palavras para expressar o tamanho da minha gratidão. Que Deus me ilumine para que eu possa agora, na Secretaria Especial de Cultura do Governo Bolsonaro, honrar meus aprendizados em benefício das Artes e das Expressões Culturais da população do meu país”, conclui a atriz.

Após “Véu de Noiva”, Regina emendou “Selva de Pedra” (1972), com a marcante protagonista de Janete Clair, Simone.

As personagens lhe valeriam o apelido de “Namoradinha do Brasil”, o que a levou ao papel de “Malu Mulher” (1979), seriado de alta relevância para a emancipação da mulher no Brasil. Nos 40 anos de Malu, completados no ano passado, Regina deu uma boa entrevista a Pedro Bial em que dizia, entre outras coisas, que nunca foi feminista e nunca compactuou dos valores do feminismo. “Sempre achei que não era por aí, nunca fui inimiga dos homens”.

Na ocasião, comentei que era uma pena que ela tivesse dado vida ao texto de Malu Mulher, sem ter entendido nada do que dizia. Não que ela tivesse de ser feminista para interpretar uma feminista, apenas é muito tosco achar que emancipação implica inimizade com os homens, uma ideia pré-concebida só por quem não conhece o tema.

Veio Viúva Porcina em  “Roque Santeiro” (1985) , talvez sua personagem mais marcante até aqui. Apesar do enorme sucesso de Malu (e do que ela representou para aquela geração) e de Rachel Acioly, aquela que se reerguia na vida vendendo sanduíches na praia, após ser trapaceada pela própria filha, Maria de Fátima (Glória Pires) em “Vale Tudo” (1988), Porcina é a figura que reverberaria mais por todas as décadas a seguir, em boa parte pela sintonia perfeita com Lima Duarte, o Sinhozinho Malta. E pensar que era Betty Faria, e não Regina, a primeira atriz escalada para o papel, ainda em 1975, quando a novela de Dias Gomes, depois escrita por Aguinaldo Silva, foi censurada.

A atriz conquistou também,  por três vezes , o papel mais emblemático da obra de Manoel Carlos.  Regina foi Helena em  “História de Amor” (1995); “Por Amor” (1997); e “Páginas da Vida” (2006).  Foi a única atriz que o autor repetiu como Helena.

E fez “Chiquinha Gonzaga”, em 1999, outra parceria com a filha, Gabriela Duarte, fisicamente muito parecida com a mãe.

Ao todo, a Globo conta 31 novelas, oito casos especiais e centenas de episódios em séries e minisséries.

O último papel de Regina foi em “Tempo de Amar” (2017-2018), de Alcides Nogueira.

Militância política

Regina causou espanto na classe artística pelo apoio a Bolsonaro ainda na campanha de 2018, atribuindo a ele o caráter de alguém “doce”. Como se verificaria depois, com a extinção do ministério da Cultura e uma série de desmandos na Ancine (Agência Nacional de Cinema) e o patrulhamento sobre o caráter ideológico das produções culturais, a resistência de seus colegas não seria em vão.

Mas a atriz manteve a coerência política de fazer oposição ao PT desde sempre. Em 1989, ela já não consta naquele clipe onde 95% da classe artística canta “Lula-lá” contra Fernando Collor. Naquela ocasião, Regina ainda votava em Mário Covas, presidenciável pelo PSDB.

Honrou a bandeira tucana na eleição de 2002, quando, às vésperas da votação, foi ao horário eleitoral de José Serra, adversário de Lula, para dizer a frase que gerou meme antes mesmo dos memes: “eu tenho medo”. A atriz dizia que temia pela economia e pelo temor que uma eleição do petista causasse nos mercados mundiais.

Mesmo não tendo aquela previsão confirmada pelos oito anos seguintes, visto que os mercados não voltaram as costas ao governo Lula, a atriz se manteve na oposição. Mas era esperado, diante disso, que ela apoiasse Geraldo Alckmin, representante do PSDB, na eleição de 2018. Não o fez. Como boa parte dos antipetistas, investiu a valer em seu apoio público a Bolsonaro e agora serve oficialmente ao seu governo.

Leia também:

Nos 40 anos de ‘Malu Mulher’ descobrimos que Regina Duarte não entendeu nada

Nova secretária de Cultura endossou censura ao filme do Porta dos Fundos

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione