Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Renascer’, de volta pelo GloboPlay, só aconteceu graças a ‘Pantanal’

Marcos Palmeira e Antonio Fagundes como filho e pai / Divulgação

É muito oportuna a volta de “Renascer” (1993), título anunciado entre as novidades do GloboPlay para este mês de outubro, com estreia marcada para o dia 11. Primeira novela de Benedito Ruy Barbosa dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a produção aconteceu na esteira do impacto causado por “Pantanal” (1990), do mesmo autor, feita na Rede Manchete, que está prestes a ganhar um remake pela Globo.

“Renascer” só existiu como existiu, com a grandeza que alcançou, porque “Pantanal” quebrou paradigmas e provou que era possível contar uma história rural na faixa nobre, com locações reais e a valorização do campo como cenário.

Não falamos aqui do sotaque “nordestino” que não distingue o sertão da Bahia do de Pernambuco ou do Ceará, proclamado artificialmente dentro dos limites dos estúdios e das cidades cenográficas, com algumas poucas externas pinceladas ao longo de quase 200 capítulos.

Falamos de filmar o cacau na Bahia, honrar o jequitibá ao pé de um autêntico representante da espécie, e de apostar no poder do diabo guardado em garrafa (lenda já mostrada em “Paraíso”, de 1982, e  representada então pelo Tião Galinha de Osmar Prado) diante de uma plateia maior que a faixa das 18h.

Antes que “Pantanal” fizesse história em outro canal, Ruy Barbosa esteve confinado à fila da novela das seis, o que não é demérito algum, mas encontra menos público com TV ligada do que uma novela das nove (naquele tempo, ainda das oito, oito e meia), quando o custo do anúncio no intervalo é maior, elevando a relevância do faturamento do produto.

É evidente que “Renascer” também teve sua parcela de estúdios e cidade cenográfica, levando algumas impressões baianas a Curicica, na zona oeste do Rio. Mas as locações de verdade, em Ilhéus, dominaram a novela, incluindo os cantos das lavadeiras e a prosódia local.

O título foi o passaporte de volta de Benedito Ruy Barbosa para a Globo após “Pantanal”, que havia sido oferecida à rede dos Marinhos antes de desembarcar em território de Adolpho Bloch. O caso é que os emissários da Globo visitaram o Pantanal matogrossense durante a época de cheias –mal sabiam eles o que aquele cenário haveria de se tornar 30 anos depois, vítima de queimadas que dizimaram bichos e biomas aos milhares, como se viu em 2020.

E foi assim que o enredo de Juma Maurruá, vetado pela mesma Globo que agora ostenta a importância da história, foi parar na Rede Manchete.

A TV de Adolpho Bloch vinha se esforçando para competir com a Globo no ramo da teledramaturgia e tinha profissionais gabaritados para tanto. Diretor artístico da Manchete, Nilton Travesso abraçou a ideia e a entregou a Jayme Monjardim, diretor que ele conhecia desde pequeno e havia trazido da Globo após aplaudir o efeito de suas inovações estéticas na novela “Direito de Amar” (1987).

E “Pantanal” fez o que fez, com longos planos de tuiuiús sobre rios e cenas de nudez feminina como nunca antes havia existido na história da TV, resultando em uma larga fatia de audiência tomada da Globo no horário nobre.

Finado o enredo de Juma, a Globo persuadiu Ruy Barbosa a voltar para o seu elenco, prometendo-lhe prontamente uma vaga no horário nobre para que ele contasse a história que quisesse e como quisesse narrar, o que resultou em “Renascer”.

O folhetim marca a estreia da longa parceria entre Benedito Ruy Barbosa e Antônio Fagundes, que se repetiu em “O Rei do Gado” (1996), “Terra Nostra” (1999), “Meu Pedacinho de Chão” (2014) e “Velho Chico” (2016). E também com Luiz Fernando Carvalho, que dirigiria “O Rei do Gado” (1996), “Esperança” (2002), “Meu Pedadinho de Chão” e “Velho Chico”.

É ainda a novela que lançou Leonardo Vieira como galã, e mostrou que seus melhores desempenhos estiveram ligados à direção de Carvalho (vide “Os Maias”, em 2001). E elevou o próprio folhetim a uma condição estética que aproximava a TV do cinema, especialmente em seus primeiros capítulos, como Carvalho voltaria a fazer em “O Rei do Gado”.

Leonardo Vieira / Divulgação

A ocasião só não foi boa para Adriana Esteves — ou até foi, no sentido de que o episódio a impulsionou para uma vitoriosa trajetória no ofício, como sabemos hoje.

Marcos Palmeira e Adriana Esteves em ‘Renascer’ / Divulgação

Mariana, sua personagem, tinha a ingrata missão de vingar o avô (José Wilker) e acabava se apaixonando pelo alvo da vendeta, no caso, José Inocêncio (Fagundes), depois de ter enfeitiçado o filho caçula, João Pedro (Marcos Palmeira), de quem o pai mantinha uma distância dolorosa, por culpá-lo pela morte da mãe (Patrícia França), seu grande amor, após o seu parto.

Dos quatro filhos, João Pedro era o único que havia ficado ao lado do pai para cuidar de seu patrimônio, mas, mesmo assim enfrentava o descaso do patriarca, aguçando a torcida do público pelo rapaz e a antipatia por Mariana. Os demais herdeiros eram Tarcísio Filho, Marco Ricca (estreando em novelas) e Taumaturgo Ferreira.

O autor tampouco facilitou a missão de Adriana ao lhe apresentar ora como mocinha, ora como vilã, em uma época em que não era tão comum trabalhar a dualidade de papéis em novelas e o maniqueísmo ainda imperava. A atuação foi também mal recebida pela crítica, que do mesmo jeito que a insensou aos céus em trabalhos anteriores, de um minuto para o outro a jogou ao chão. É por isso que o triunfo da atriz, anos depois, como Sandrinha (“Torre de Babel” – 1998) e, alguns degraus acima, Carminha (“Avenida Brasil” – 2012) deve ser ainda mais ovacionado.

Quanto a Palmeira, convém reparar que sua presença em “Renascer” remete diretamente a “Pantanal”, onde ele foi Tadeu, enfrentando também a frieza do pai, ali vivido por Cláudio Marzo (outro José, no caso, Leôncio), por ser então o filho bastardo que o pai mal exibia socialmente como tal.

O elenco de “Renascer” nos deu ainda Fernanda Montenegro, como a velha prostituta Jacutinga, e nos apresentava a Eliane Giardini, essa maravilha, consagrada no teatro e pouco vista na TV até então.

Como sujeito que sonhava “enricar”, Tião Galinha embutia uma crítica visceral às condições de trabalho da região, enquanto caçava caranguejos com a mulher e os filhos no mangue. É um dos personagens mais comoventes da história da telenovela.

Tereza Seiblitz e Osmar Prado, o Tião Galinha / Divulgação

Por tudo isso, vale muito a pena ver e rever sempre “Renascer”, uma obra que não envelheceu, já que é conduzida por um drama épico intrinsecamente familiar, e, infelizmente, porque as mazelas sociais lá abordadas não desapareceram –ao contrário.

“Renascer” chega ao GloboPlay no dia 11 e outubro.

E prepare o lenço. Chorei horrores, a ponto de me desidratar no último capítulo.

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Cristina Padiglione

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