Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Rodrigo Sant’Anna e Júnior Figueiredo ministram curso de roteiro gratuito em busca de olhares excluídos

Rodrigo Sant'Anna e Júnior Figueiredo / Instagram

Ator e roteirista  de um humor popular infalível para arrancar risos da plateia, Rodrigo Sant’Anna está lançando, ao lado do roteirista Júnior Figueiredo, seu marido, mais uma edição do Curso de Roteiro – Clube do Pensamento, iniciativa gratuita voltada a negros, trans, moradores de comunidades e pessoas de terceira idade de baixa renda. Serão seis aulas pelo Zoom, aos sábados e domingos, nos dias 5 e 6, 12 e 13, 19 e 20 de dezembro, sempre das 9h às 13h.

A ideia do casal, que já realizou outras duas edições do curso, é multiplicar os pontos de vista das histórias contadas no teatro, no cinema, na TV ou na internet, dando voz a talentos que não têm oportunidade de custear uma formação em roteiro, com aulas de introdução ao roteiro de sitcom e série de comédia, especialidade dos professores em questão.

Não faz muito tempo que a indústria do audiovisual acordou para a necessidade de colocar negros em cena em papéis que não sejam de serviçais, bandidos ou escravos, em produções sobre a histórias da escravatura. Mas até nesse último caso, quem conta essas histórias, em geral, ainda são os brancos.

“Na frente das câmeras, de alguma maneira, todo mundo tenta preencher as lacunas que posam a vir a existir, de pretos, trans, e de representantes de comunidades mais desfavorecidas. Eu sei como é porque vivi tanto isso, de vir de uma comunidade e não me sentir de um lugar que me desse respaldo”, diz Rodrigo ao blog.

“Quantos autores de novelas são negros? Quantos executivos são negros ou trans? Acho que a gente chegou a um momento muito legal de fala, de dar mais espaço para atores negros, trans ainda nem tanto, e alguns negros começam a aparecer em roteiros, mas a gente quis fazer um movimento de dentro [bastirodres] para fora [tela] para tentar ter pessoas criando ideias que tenham essa vivência”.

“Em geral, estão contando a vivência de outra pessoa quando se aborda o universo de negros, trans e comunidades”, completa ele, que é filho de nordestina e neto de negra, criado no Morro do Macaco, no Rio, depois morador do Quintino, e portanto conhecedor de um universo que muitas vezes só é retratado em programa de humor pelo clichê do  churrasquinho na laje. “O que mais me encanta nessas pessoas é a capacidade de rir de si.”

“Estamos conquistando cada vez mais representatividade em frente às câmeras”, reforça Júnior Figueiredo. “Mas precisamos de muito trabalhar para formar roteiristas com diferentes perspectivas e pontos de vista diversos sobre o que estamos vivendo, sobre o Brasil, e o mundo. E também buscar novos talentos fora do eixo Rio-São Paulo”, diz o baiano, que assina com Rodrigo os roteiros dos programas “Tô de Graça” e os “Os Suburbanos”, do Multishow.

A iniciativa tem a chancela da produtora dos dois, Os Suburbanos, que já abrigou presencialmente a primeira edição do projeto. A vantagem das aulas remotas, agora, é contar com alunos de fora do Rio. “Queremos desconstruir esse o monopólio dos brancos héteros da classe média alta que hoje redigem os textos que são ditos pelos atores na TV, no cinema e nas plataformas digitais. O humor popular precisa dessa pluralidade”, argumenta Rodrigo.

Júnior comandará os dois primeiros fins de semana de aulas, ensinando o básico da arte de roteirizar, com foco em sitcom, a chamada comédia de situação. Rodrigo entrará no terceiro fim de semana, abordando o encontro entre a criação do roteiro e sua saída do papel, quando o texto entra em cena.

Os 40 primeiros inscritos participarão das oficinas de roteiro e produzirão uma cena, que servirá de portfólio profissional. Todos os inscritos terão acesso, posteriormente, às aulas, e a primeira tarefa é escrever uma breve apresentação de sua própria história, o que já vale como filtro para que os mestres percebam quem tem potencial e quem não tem.

VIVÊNCIA

Quando começou a trabalhar em TV, ainda como contra-regra, Rodrigo lembra de levar um pito de uma produtora que se queixou de seu atraso à chegada do set. “Meu ônibus atrasou, desculpe”, disse ele na ocasião. “Eu não tenho nada com isso”, rebateu a produtora. “Ela tinha razão, não tem nada com isso, mas em geral, falta noção sobre o que significa morar tão longe e depender do transporte público.” É um exemplo de como as noções desses profissionais, em sua essência, passam longe de outros segmentos.

“Sempre digo que um esgoto a céu aberto no Leblon é diferente de um esgoto  a céu aberto no subúrbio. O esgoto do Leblon é rapidamente fechado pela prefeitura, que está preocupada com os turistas que passam por ali e as autoridades que moram na região”, emenda Rodrigo.

“As minhas histórias podem parecer escárnio de uma coisa que não é engraçada. Tinha rato na minha casa, essa é uma vivência que normalmente falta aos roteiristas.”

Lembro a Rodrigo que esse é um ofício que concentra profissionais de maior poder aquisitivo porque é muito instável. O sujeito pode ter trabalho por três meses e depois passar mais quatro sem qualquer remuneração, e quem tem boletos a pagar com urgência mal pode se dar ao luxo de ficar à mercê de novas encomendas ou aprovações de projetos, como acontece inclusive entre grandes produtoras de audiovisual.

Mas é preciso começar por algum ponto, e sem capacitar pessoas com potencial e vocação para tanto, continuaremos reféns de ver as histórias sempre contadas por gente que representa um nicho muito pequeno da sociedade.

“É um processo lento em que cada um tem que fazer a sua parte. Estamos desenvolvendo no Morro dos Macacos um projeto para pessoas que já tenham alguma noção de teatro, maquiagem, artes plásticas e moda. E na nossa equipe de roteiro do Multishow, já temos pessoas da primeira oficina que a gente realizou”, fala Rodrigo. “Muitas pessoas de comunidade morrem na praia porque não têm onde acontecer, mas fazer isso andar é uma segunda camada do projeto.”

Aos candidatos que se enquadram nos requisitos solicitados por Júnior e Rodrigo, boa sorte.

As inscrições ocorrem pelo seguinte link, copiado na biografia do perfil de Rodrigo no Instagram: forms.gle/Q7nqBoARH7DV9UGN6

Os dois também anunciam a iniciativa em vídeo, no mesmo perfil.

No Multishow, Rodrigo já segue para a 5ª temporada do seriado “Eu tô de graça”, enquanto prepara novo seriado para 2021, “Plantão”.

 

Rodrigo Sant’Anna na série ‘Eu Tô de Graça’, já na 5ª temporada pelo Multishow

Atualmente, também está no ar pela Globo como Seu Batista, uma das melhores performances da “Escolinha do Professor Raimundo”, baseada no trabalho de Eliezer Motta, intérprete do papel nos tempos em que Raimundo era Chico Anysio.

E como Batista na ‘Escolinha’ / Fotos: Divulgação

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