Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Roteiro inverossímil do cenário político rende boa série de Antonio Prata e Fernando Meirelles

Mariana Lima, Andréa Beltrão, Marcos Palmeira, William Costa e Enrique Diaz / Reprodução

Transposta para a vida real, nossa versão real de “House of Cards” está mais para novela mexicana, com enredos previsíveis, sem nexo e  chafurdadas no status do ridículo. Fosse retrato de uma série ficcional, o cenário político brasileiro traçado desde as manifestações de junho de 2013 mereceria dos espectadores uma avalanche de críticas a um plot inverossímil.

É esse roteiro pouco provável, de uma estupidez que nos enche de vergonha perante o mundo, que agora serve à ficção como ótimo script. A inversão de valores que transforma em bom um filme tão malfeito na vida real está em “Sala de Roteiro”, websérie que ganhou forma a partir de uma crônica de Antonio Prata para a Folha de S. Paulo.

Publicado no jornal em 20 de junho, “Brasil, Sala de Roteiro” inspirou o cineasta Fernando Meirelles a levar a ideia para a tela de um modo muito simples e, ao contrário dos acontecimentos reais, com verossimilhança.

Como roteiristas há muito costumam discutir os rumos de seus enredos por meio de videoconferência, modelo adotado por eles bem antes do isolamento social, o formato dramatúrgico se resolveu facilmente: os atores receberam seus textos e gravaram no mesmo dia, com um resultado estético que já se tornou familiar a todos em razão da pandemia: a tela dividida com cada personagem no seu quadrinho. E eles nem precisam decorar texto, já que podem ler seus diálogos como parte da encenação de quem está discutindo ideias para um script.

O cast inicial inclui gente bem bacana, como Mariana Lima, Enrique Diaz, o roteirista-chefe, Marcos Palmeira, Andréa Beltrão e William Costa, jovem ator promissor que ganhou destaque em “Pico da Neblina”, boa série da O2 Filmes para a HBO. Mas até nisso é possível mexer de acordo com a disponibilidade de cada um. Nada impede que alguém chegue ou saia a cada novo episódio. E, convenhamos, é zero a dificuldade em fazer com que bons nomes topem participar de uma produção assinada por Meirelles.

Tanto assim que a produção de “Sala de Roteiro” se consumou em tempo recorde. A ideia é publicar um episódio por semana. No episódio 1, os escritores debatem como a polícia encontrará Queiroz. Diante das sugestões de que ele esteja escondido na casa do advogado de Flávio Bolsonaro, o chefe da sala de roteiro debocha da obviedade proposta pelos colegas. “A gente podia colocar no vilão um crachá escrito ‘vilão'”, desdenha. “Eu criei o Queiroz pra levar à prisão da família no final”, completa, refutando a ideia de que a polícia entre no recinto atirando.

Visto como alguém que perdeu a mão da série desde 2013 e sofreu do consumo de drogas pesadas ao redigir os discursos da presidente Dilma Rousseff, o roteirista chefe sucumbe ao descrédito que a equipe nutre por ele e acata os pitacos. Aceita até a sugestão de colocar um cartaz com propaganda do AI-5 no sítio, onde seriam encontrados também bonequinhos de Tony Montana (“Scarface”) e uma placa com o nome do advogado na porta do estabelecimento. Concorda ainda com a proposta de localizar a propriedade em Atibaia, onde havia outro sítio já citado na série, a fim de facilitar a vida dos produtores e o custo final da produção.

Em menos de dez horas, o episódio 1, publicado nesta quarta-feira (1º), quando foi criado o canal, fez mais de 5 mil visualizações e superou 10 mil em menos de 24 horas. São dez minutinhos quase terapêuticos que nos levam a imaginar que tudo aquilo tenha sido só um script ficcional.

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Cristina Padiglione

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