Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

SBT demorou a abandonar a faixa infantil

Silvia Abravanel se despede do Bom Dia & Cia, faixa que estava no ar havia 29 anos / Reprodução SBT

Dez anos depois de a Globo extinguir por completo o conteúdo infantil das manhãs de segunda a sexta-feira, o SBT fecha também este ciclo, que já não existe mais nem na Record nem na Band ou na RedeTV!. A rede de Silvio Santos foi a última de TV aberta comercial no Brasil a abolir os programas para crianças –isso, se o patrão não voltar atrás em poucos dias para trazer os desenhos animados e gincanas de volta.

Como muita gente tenta imaginar o que se passa na cabeça de Silvio Santos, mas poucos têm acesso aos planos do patrão, dizem que a decisão teria sido motivada por um ímpeto da filha número 2, Silvia Abravanel, que vinha apresentando a faixa infantil e cometeu um erro na quinta-feira (31). Seu pecado, na ocasião, foi interromper o girar da roleta de um participante. É evidente que o problema não foi esse, nem como gota d’água.

Nos tempos do Bozo, a criança que telefonou teria mandado o apresentador para aquele lugar. O fato é que não é de hoje que o dono do SBT procura outra solução para suas manhãs. Se o Vem Pra Cá, pilotado por Patrícia Abravanel, tivesse surtido efeito, o Bom Dia & Cia. já teria dançado há tempos. A partir desta segunda-feira (4), o horário será todo ocupado pelo Primeiro Impacto, programa de notícias da casa.

Com as restrições impostas à publicidade dirigida à criança, faz tempo que os infantis deixaram de ser um bom negócio para esse meio. E não adianta dizer que isso “prejudica” o público desse target pelo fato de lhe arrancar a chance de novos investimentos em produções voltadas aos pequenos.

As limitações à publicidade infantil são algo comum em todos os países ditos civilizados. O conteúdo para crianças perdeu espaço na TV aberta comercial (mas não pública, ainda) para se tornar líder na TV paga. O SBT demorou tanto a assimilar esse movimento, que hoje nem a TV por assinatura tem mais nesse segmento os seus canais de maior audiência.

Líderes do serviço pago por muitos anos, Discovery Kids e Cartoon Network seguem bem posicionados no Top 5 da TV paga, mas perderam os primeiros lugares para o Viva, a GloboNews e o SporTV.

Hoje, boa parte do público que pagava pela babá eletrônica na TV por assinatura já desembolsa ainda menos por isso no streaming, com a vantagem de encontrar ali nenhuma publicidade, nos casos de Netflix, GloboPlay, Disney e Amazon Prime. Canais públicos como TV Cultura e TV Brasil também poupam os menores de publicidade diretamente voltada a eles, mas esses contam com financiamento de verba pública justamente para poder contemplar um entretenimento de relevância pública e, de preferência, educativa.

A propaganda na TV paga existe, e em alto volume, mas procura não se dirigir diretamente à criança nem tropeçar naquela antiga linguagem agressiva dos tempos do Xou da Xuxa, do clássico “peça para a sua mãe comprar”. Mas os anúncios têm a cautela de se dirigirem mais aos pais do que aos filhos, e os canais pagos infantis custeiam seus gastos também com assinaturas, um recurso que não é oferecido pela TV gratuita.

Com isso, a produção voltada a menores na TV aberta tem se restringido aos canais públicos. Também foram as políticas públicas que mais viabilizaram produções para esse target na TV paga nos anos anteriores ao governo Bolsonaro, quando a Ancine funcionava.

Parte desses títulos produzidos sob leis de incentivo criadas para o audiovisual permitem inclusive que canais como TV Cultura e TV Brasil abastecessem também as suas grades de programação com produções que já estavam pagas pelos recursos criados para fomentar a cena nacional na TV por assinatura.

O próprio SBT se valeu disso, com séries como “Peixonauta”, criada pela TV Pinguim para a Discovery Kids e exportada para mais de 70 países.

Peixonauta, o Filme, lançamento da TV PinGuim em Cannes

Nesse contexto, o esvaziamento da Ancine é mais prejudicial à produção infantil do audiovisual do que o fim da faixa do Bom Dia & Cia. no SBT, que abraçava uma lista de títulos importados bem maior do que o volume de produções nacionais.

Além disso, o SBT é, de todas as redes de TV aberta comercial, a que mais preserva o hábito da TV linear  nas novas gerações, em razão dos folhetins para menores exibidos na faixa nobre, atambém alvo de fiscalização por propagandas irregulares. Esse filão se tornou, para a TV de Silvio Santos, o que as produções bíblicas se tornaram para a Record.

De um jeito ou de outro, é urgente que a Ancine volte a ser uma agência capaz de alimentar a indústria do audiovisual, para menores e maiores, não só pela geração de empregos que propicia, mas, especialmente, por sua capacidade de sustentar uma imagem relevante do país no exterior, balão que murcha na mesma proporção que as políticas ambientais.

Nesse ponto, Silvio Santos nada poderia fazer para melhorar a cara do Brasil perante os gringos, nem menos alimentar, por meio de suas cenas, o potencial da indústria do turismo, como a Globo faz agora como investimento em “Pantanal”.

Mas aí já estamos fugindo do nosso foco inicial aqui, que seria a produção audiovisual infantil. Isso é só para a gente ver que uma coisa leva à outra.

 

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Cristina Padiglione

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