Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Segundo Sol’ resgata uso da secretária eletrônica do telefone fixo

A revelação de que a filha é gay revolta Nice contra Maura

Não é que secretária eletrônica já não exista mais. Existe. Mas, nesse universo do celular e de todas as vantagens oferecidas pela banda larga que faz chegar recados por whatsapp, deixar um recado de voz em caixa postal é coisa cada vez mais rara. No capítulo desta quinta de “Segundo Sol”, a novela das nove da Globo, a velha e boa secretária eletrônica do telefone fixo – item que também vem desaparecendo das residências -, foi plenamente resgatada, para servir como recurso dramatúrgico da descoberta de Nice (Kelzy Ecard) a respeito da homossexualidade da filha Maura (Nanda Costa).

Nice está na casa de Selma (Carol Fazu), que a essa altura estava no banho, quando o telefone fixo toca. Sem saber se deve atender, a visita deixa o telefone tocar e a secretária eletrônica é acionada, quando entra então a voz de Maura, pelo viva voz, fazendo uma declaração de amor a Selma.

A mãe fica chocada, como era de se esperar.

E alguns espectadores, idem, manifestando pelo Twitter o espanto pelo uso da secretária eletrônica para deixar um recado íntimo.

Selma é personagem de poucos recursos, perfil de quem, hoje em dia, optaria por ter apenas um telefone celular pós-pago. Nada de linha fixa, que normalmente cobra um custo mínimo de assinatura. O aparelho de Selma é um telefone móvel, modelo moderno, que tem secretária eletrônica. Tenho um parecido em casa, mas, confesso, nunca soube acionar a secretária, que só serviria para atender a ligações de telemarketing – quem me interessa sabe como me encontrar no celular ou messenger.

Embora seja o autor mais jovem da faixa nobre da Globo, João Emanuel Carneiro, de 48 anos, não é alguém que se permita impactar demais por novas invenções. Em “Avenida Brasil”, foi massacrado pela crítica por causa das famosas fotos de Nina (Débora Falabella), arma da mocinha contra a vilã Carminha (Adriana Esteves), cujas cópias em papel eram roubadas pela megera, tornando a heroína sua refém. Mas Nina não guarda essas fotos em outro lugar? Num pen-drive? Numa caixa de e-mails? Nada, ela só tinha cópias em papel, um recurso que se mostrou frágil para um enredo moderno e realista, como era o caso de “Avenida Brasil”.

Mais grave, situação em “Avenida Brasil’ motivou uma série de memes

A secretária eletrônica da vez não é caso tão grave, mas, assim como outras tantas alternativas já adotadas um dia como meio para alcançar determinado conflito dramatúrgico, tornou-se uma ferramenta fraquinha.

A tecnologia matou ou estreitou muitos caminhos já usados para amarrar o nó dos problemas na ficção, mas também promoveu várias alternativas interessantes para criar e solucionar questões. Um exemplo genial de como o avanço pode servir à boa dramaturgia está no desfecho da série “Breaking Bad”, que se vale de GPS, mensagens via celular e outros mequetrefes, sem desvalorizar o conhecimento químico do professor Walter White (Bryan Cranston).

Repare que há uma lista de avanços tecnológicos que afetaram a ficção:

  • O DNA complicou argumentos que questionam a paternidade do personagem.
  • O celular reduziu as chances de não se encontrar alguém. Ficou mais difícil “dar um perdido”, como na vida real. Mas fez também com que qualquer um pudesse ser encontrado em qualquer lugar, quando isso for necessário para a encruzilhada criada no enredo.
  • A foto digital, com sua fácil reprodução, reduziu o valor da foto em papel como prova documental, mas também ampliou a possibilidade de se produzir provas: hoje, qualquer celular no bolso pode registrar uma imagem.
  • A internet promove rapidamente a difamação ou glória de alguém, mesmo anônimo. A própria “Segundo Sol” tem exemplos dos dois lados: a fake news plantada sobre Roberval (Fabrício Bolivera) e a expectativa de Rochelle (Giovana Lancelotti) pela fama de It Girl, por meio de seu blog.
  • A internet também deixa rastros muito mais críveis do que a antiga mania de personagens escutarem atrás da porta. Ontem mesmo, Doralice (Roberta Rodrigues) fazia uma blitz no celular do marido, o fiel Ionan (Armando Babaioff). Ainda outro dia, Karola (Déborah Secco) esquecia seu e-mail aberto no notebook e Beto Falcão via que ela continua faturando com direitos autorais do morto, o que ele havia vetado.
  • A ampliação de sistemas que identificam indivíduos por meio de digitais ou biometria reduziu as chances de uma pessoa se passar por outra, mas também aumentou o êxito de investigações criminais que buscam culpados e inocentes.
  • GPS ou ferramentas de localização podem ou não ser usadas, de acordo com a conveniência da história.

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Cristina Padiglione

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