Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Sorte dos telespectadores que têm uma Oprah para ver e ouvir

Oprah Winfrey durante discurso na homenagem recebidas no Globo de Ouro

Ao ouvir Oprah Winfrey discursar na entrega do Golden Globe deste domingo, 7, quando foi homenageada com o Prêmio Cecil B. de Mille Award, sou tomada por um misto de admiração e inveja.

Admiração porque a apresentadora de TV mais famosa do mundo ocidental, empresária, mulher extremamente bem sucedida, conseguiu sintetizar e ampliar, em larga escala, como ninguém o fez até aqui, todos os protestos encampados pela turma de Hollywood na questão do assédio sexual que vitimou tantas mulheres. Deu voz a operárias, agricultoras, costureiras e tantas outras profissionais que sofreram assédio, em suas ocupações, sem sequer terem seus nomes conhecidos, como aconteceu com as vítimas da industria do entretenimento. Ao contrário: são mulheres que se calaram em razão das contas que tinham a pagar, dos filhos que tinham a educar e de uma sociedade que nunca lhes deu ouvidos.

Senti uma ponta de inveja porque queria muito que tivéssemos na TV brasileira alguma figura que se aproximasse minimamente de uma Oprah, não no quesito carisma, que isso não nos falta, mas no contexto do engajamento social e na coragem de tomar posições, arcando com o ônus de desagradar A ou B.

Não temos nada que remeta a uma figura representante de grupos oprimidos, capaz de bancar um discurso de alguém que se posiciona e que cobra por dias melhores sem medo de ser rejeitada por parte do público ou dos anunciantes. E o faz com um extraordinário poder de síntese e comunicação.

Como seria bacana ter uma Oprah na nossa TV, e não um animador que trata meninas de 15 anos como se a felicidade delas dependesse de um marido que “ganha bem”.

Como seria incrível ter uma Oprah na nossa TV, uma só, nem que ela estivesse entre as outras dez loiras que se revezam por todos os canais, como se a Suécia fosse aqui. Mas nem isso temos. Não que eu tenha algo contra loiras, que fique claro – apenas soa estranha a ausência da cor negra na TV, em um país onde negros e seus descendentes são maioria absoluta.

Ironia ou não, o que tivemos mais próximo de Oprah na TV brasileira, e em algumas circunstâncias, foi a loira Hebe Camargo, que assumia ter feito aborto, defendia a descriminalização do ato e refutava a ideia de que homossexualidade fosse doença, muitos e muitos anos antes que outras celebridades achassem bonito assumir esse discurso.

Hebe tomava posição, nem que fosse pelo voto no Paulo Maluf (vá lá, também tinha isso), e por isso ninguém poderá acusá-la de dissimular suas opiniões. Isso não. Passava longe dos conceitos de mídia training para parecer mais articulada ou de gosto médio.

No Globo de Ouro, Oprah começou contando sobre o impacto que teve, em sua vida, a cena que testemunhou pela TV, ainda criança, de uma entrega do Oscar, em 1964. Foi quando disseram “The winner is Sidney Poitier”. “Eu nunca tinha visto um homem negro ser celebrado daquela forma”, disse. Naquele mesmo instante, continua, sua mãe chegava em casa, cansada, vindo de várias casas onde trabalhava como faxineira. Oprah fez aí a sutil costura entre o orgulho pela cor e a luta da mulher pelo reconhecimento profissional.

Foi aplaudida de pé no meio da fala e, mais demoradamente, de novo, no final, quando torceu para que alguma menina pudesse estar vendo essa cena naquele momento, a ponto de isso mexer com seu destino.

Confira aqui o discurso na íntegra:

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Cristina Padiglione

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