Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Tom & Jerry agradecem pela lembrança, mas avisam que continuam no ar pelo Cartoon

Jerry e Tom, um clássico em cena / Reprodução

Tom & Jerry fora do Cartoon? Não, nada disso. O gato e o rato mais queridos da indústria da animação continuam no ar pelo canal pago, um dos mais vistos da TV por assinatura no Brasil.

Por alguma razão que só os meandros do Google talvez conheçam, Danilo Gentili publicou na quarta-feira (3) um tuíte que resgata uma reportagem da Veja São Paulo de 2013 que anunciava o fim da exibição de “Tom & Jerry” pelo canal Cartoon Network.

“Quando você lê ‘POLITICAMENTE incorreto’ significa que uma corrente POLÍTICA que talvez você nem concorde ou goste decidiu por você o que é correto ou incorreto. Progressistas determinaram que Tom e Jerry é um problema para o mundo. Se você discordar o próximo a ser banido é vc”, escreveu Gentili, alvo de 17 milhões de seguidores no Twitter, copiando abaixo o enunciado da reportagem de quase oito anos atrás.

Bravo. Estou de acordo com ele. O problema é que o fato que inspira esse pensamento não procede.

Nesta quinta (4), para corroborar, um site bolsonaristas investigado por fake news endossou o fim de “Tom & Jerry” no Cartoon, o que este blog checou e descartou poucos minutos após enviar um e-mail à assessoria do canal. Não era tão complexo saber, portanto, que a história era falsa.

O site ainda cita que “a informação foi divulgada nesta terça (24) no jornal O Globo” [texto da Veja de 2013], mas, ao clicar no link da Veja, vemos que a data é 24 de setembro de 2013. E bastaria notar que não há “nesta terça, 24”, se terça foi dia 2. Mas quem replicou o enredo só quis embarcar em algo que atrairia clicks.

“Numa vitória da turma do ‘politicamente correto’, Cartoon Network tira ‘Tom e Jerry’ do ar”, diz o título do site.

Aos fatos:

A dupla “Tom & Jerry” está no bloco da programação matutina do Cartoon, o bloco Boomerang, sem qualquer previsão de sair de cena.

A partir do dia 15, está programado um especial da franquia de segunda a sexta, a partir das 22h, no mesmo canal. No sábado, Tom e Jerry podem ser encontrados das 13h às 16h, e no domingo, das 20h às 22h.

No Boomerang, outro canal pago do grupo Warner Media, os dois estão no ar de segunda a sexta, por três horas diárias, às 7h, às 12h e às 5h, voltando nos finais de semana, às 9h e às 21h30.

Assim, Tom e Jerry agradecem a lembrança, mesmo que por vias tão tortas.

E a gente agradece ao fato de os personagens continuarem em cena.

Adendo publicado às 22h20:

Logo após a publicação deste post, Danilo Gentili me respondeu a um questionamento que tinha lhe feito por e-mail sobre a origem da postagem dele a respeito de Tom & Jerry. Pareceu-me claro que o site bolsonarista, investigado por fake news, cujo nome nem vale a pena citar, inspirou-se no tuíte dele, já que não constatamos outras “fontes” da falsa informação e foi o próprio Cartoon que me alertou para o fato de a notícia ter vindo do Twitter do rapaz.

Como não publiquei imediatamente a sua resposta, ocupada que estava com outro fechamento e certa de que o texto original não trazia nenhuma ofensa a ele, dispensando urgência na publicação, Gentili levou nossa correspondência privada ao perfil dele no Twitter, conclamando seus torcedores a apoiá-lo. Distorceu todo o enredo que aqui está, chamando a matéria de “porca” e a mim, de mentirosa.

Vai aí certa obsessão por bichos, eu diria. O objetivo de Gentili ao lançar uma notícia falsa sobre o gato Tom e o rato Jerry, segundo ele relata, era provar que não evocou o nome de outro animal, no caso, “vaca”, ao comparar uma doadora de leite com Kid Bengala em um programa da Band em 2013, o que rendeu a ele e à emissora um longo processo judicial no qual ambos (mais Marcelo Mansfield, com quem ele contracenava) foram condenados no mês passado. 

Gentili se apega ao fato de várias publicações terem dito que ele chamou a doadora de “vaca”. Não noticiei o fim do processo, o que ele acaba me forçando a fazer agora, mas mencionei a ação em algumas ocasiões ao longo desses sete anos, sim. Honestamente, não me lembro se reproduzi isso ou não a acusação do xingamento, mas disse a ele que tentaria “saber sobre o que foi dito a respeito da doadora de leite naquela ocasião”, algo mais complexo do que verificar que Tom & Jerry continuam no ar.

Mas ele já tinha toda uma premissa pronta na sua cabeça e, a partir disso, acusou-me de mentir ao dizer que ele “deu RT” na reportagem antiga da Veja (quando o texto diz exatamente o contrário). Usou-me como exemplo de uma imprensa que o persegue (de certo, o problema está nos outros) ao cair em uma arapuca que teria armado para provar sua tese. Justo eu, que o menciono tão raramente em comparação com seus pares?

Causa-me perplexidade como alguém pode ser tão agressivo e inverter um relato simples, em que digo que ele publicou primeiro e o site o replicou. Mais: acusa-me de tentar envolvê-lo com o bolsonarismo. Sente-se perseguido por uma imprensa que não comunga da mesma ideologia que ele, como disse no e-mail, mote para um documentário que vem produzindo.   

Lamento informar que meu foco não era o apresentador, a despeito de toda a importância que ele se dá. Não conhecia o plano (do qual cheguei a duvidar, confesso, quando li sua resposta pelo e-mail, de tão desconexo que me pareceu seu argumento).

Meu foco não era Gentili, nem Tom nem Jerry, mas sim um site que se diz noticioso, jornalístico, reproduzindo ali uma bobagem facilmente verificável, tanto quanto saber que uma doadora de leite se sentiu profundamente constrangida ao virar alvo de piada em rede nacional.

Sejamos justos: Gentili reforça que nunca a chamou de “vaca”. Já para a frase “em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala”, também mencionada em 2013, não há contestação. 

Daí que me encontrei com um enredo ainda pior e mais rasteiro do que o do próprio site cuja publicação me espantou. Pobre Tom & Jerry, mereciam motivações mais nobres para serem lembrados. 

Acompanhe abaixo o plano descrito pelo apresentador e o seu projeto de documentário:

“Eu postei para ver se algum jornalista se interessaria em fazer uma matéria esclarecendo esse fato.

Aí eu diria: Curioso, uma tuitada tão boba dessas gerou interesse dos jornalistas de esclarecerem os fatos. Mas ficaram sete anos marchetando (sic) a mentira que eu chamei uma doadora de leite de vaca sem se importarem em pesquisar se isso era verdade ou não. Mesmo comigo buscando os veículos, falando em público, fui ignorado.  Ninguém noticiou ou se preocupou em pesquisar se era verdade. Ignoraram os outros processados, o contexto, a narrativa, tudo. Apenas reproduziram essa mentira.
Mas agora já apareceu um monte querendo saber se isso que eu publiquei do tom e Jerry contra o politicamente correto é verdade ou não.
Eu achei bem curioso isso. Alguns fatos (como o tom e Jerry e o politicamente correto) devem ser checados. Outros podem ficar sete anos com mentiras sendo replicadas, compartilhas e curtidas por jornalistas em veículos de mainstream,
Estou fazendo um documentário sobre o patrulhamento dos jornalismo na defesa do politicamente correto e como não se importam em sacrificar alguns fatos se isso significar assassinar a reputação de quem elegeram como inimigo por não comungar da mesma opinião ideológica ou coorporativista (sic) da panelinha. Esse  “um peso duas medidas” me intriga muito tempo. Eu achei curioso como o Tom e Jerry mereceu mais empenho e apuração do que o meu caso citado, onde ficaram sete anos manchetando , curtindo e compartilhando com frequência a mentira que eu teria chamado uma doadora de vaca.
Foi por isso que eu postei.
Para registrar o interesse jornalístico em apurar isso. Mas não o outro caso.
Abraços.”

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Cristina Padiglione

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