Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

TV Cultura fecha 2020 à frente da RedeTV! em SP

Panorâmica do Roda Viva, programa que quase dobrou sua audiência/Reprodução

A TV Cultura fechou 2020 com média de 1 ponto de audiência na Grande São Paulo, na faixa das 7h à 0h, ante 0,8 ponto da RedeTV! e 2,2 da Band. No mesmo período, o canal público foi sintonizado por 2,1% do total de aparelhos ligados na região, enquanto a RedeTV! obteve 1,8% de sintonia entre as TVs ligadas, e a Band, 4,6%

Por períodos longos em 2020, a Cultura chegou a ultrapassar a Band nas faixas matutina e nobre, principalmente entre 19h e 22h30, abocanhando boa fatia do horário mais caro da TV.

O Jornal da Cultura subiu 23% entre 2018 e 2020. O Roda Viva passou de 0,5 ponto para 0,9, sem contar sua repercussão no Twitter e no YouTube, onde a visualização das entrevistas normalmente ultrapassa o tamanho da plateia da TV linear.

A Cultura voltou a ganhar relevância em público e repercussão, sem resumir sua ópera a uma plateia elitista: 61% de sua audiência é composta pela Classe C. Nos três primeiros meses do isolamento, de março a maio, houve aumento de 42% no tempo médio de audiência das classes D e E, de segunda a sexta feira, das 7h à 0h.

A pandemia trouxe novos hábitos, deu a muita gente a chance de conhecer conteúdos antes ignorados, mas nem todas as emissoras souberam tirar proveito dessa plateia. Nesse contexto, a presença de profissionais de televisão no canal público tem feito diferença.

Desde 2010, quando Paulo Markun deixou a presidência da Fundação Padre Anchieta, o posto não era ocupado por profissionais de televisão, o que voltou a acontecer em junho de 2019, quando José Roberto Maluf, ex-SBT e ex-Band, assumiu o posto. Maluf tem Carlito Camargo como vice, Enéas Carlos Pereira na direção de programação, cadeira que assumiu após a morte de Del Rangel, em julho passado, e Paula Cavalcanti como diretora de produção. Todos somam larga experiência em audiovisual, com foco em TV.

João Sayad e Marcos Mendonça foram as escolhas dos governos José Serra e Geraldo Alckmin, entre 2010 e 2018, com aval dos conselheiros da Fundação Padre Anchieta. Homens de confiança dos mandatários do Palácio do Governo, ambos tinham compreensão sobre cultura, mas não sobre TV.

O blog conversou com Maluf sobre os resultados de 2020, quando o alcance da emissora cresceu de novo em relação a 2019, impactando 7.002.440 domicílios diferentes ante 6.758.369 do ano anterior, e 16.894.891 de telespectadores, diante de 16.512.252 em 2019.

José Roberto Maluf, presidente da Fundação Padre Anchieta / Divulgação

O Matéria de Capa passou a reter a atenção do público por mais tempo e o Quintal da Cultura, idem, lembrando que muitas crianças confinadas em casa e sem acesso a streaming tiveram a Cultura o a faixa matutina do SBT como únicas opções de entretenimento.

“Nós começamos há um ano e meio com um time de profissionais de rádio e TV, pessoas como o Enéas Carlos Pereira, o Carlito Camargo, a Paula Cavalcanti, assim como era o Del, que nos deixou”, fala Maluf. “Antigamente, o comando não vinha necessariamente de um pessoal de televisão.”

“A gente foi aprimorando o que a Cultura já tinha, fomos substituindo algumas pessoas no vídeo, trouxemos um jornalista importante como o Leão Serva [diretor de jornalismo], fizemos modificações nos cenários, na iluminação, na apresentação do Roda Viva, primeiro com a Daniela [Lima], depois com a Vera Magalhães”, completa.

Mas nem tudo são flores. No saldo de um ano em que o ensino a distância e o impacto da pandemia sobre as crianças esteve no centro do problema, a Cultura abriu mão do Papo de Mãe, programa de Mariana Kotscho e Roberta Manreza, que nasceu na TV Brasil, há onze anos, e estava na TV Cultura havia quatro anos, prestando um serviço de alto interesse público ausente em outras emissoras.

Como exemplo mais recente, o site do programa, hospedado no portal UOL, provocou boas reflexões e grande indignação ao revelar vídeos em que um juiz [Rodrigo de Azevedo Costa] diz desprezar a Lei Maria da Penha.

“Nós gostamos muito do Papo de Mãe, sabemos da sua importância e queremos retomar o programa mais adiante”, assegura Maluf. “Mas, neste momento, a prioridade são outras diretrizes.”

O presidente da FPA começa o ano focado na criação de dois novos programas jornalísticos para a faixa das 22h, às quintas e sextas-feiras, e de um talk show no fim de noite, às 23h, de terça a sexta-feira –alguns nomes estão em fase de estudos.

A segunda-feira continuará sendo toda do Roda Viva. Às terças, o horário das 22h ficará reservado ao #Provoca, com Marcelo Tas, e às quartas, essa faixa será do Manhattan Connection, programa importado da GloboNews, que estreia no dia 20, quando Joe Biden e Kamala Harris tomam posse como presidente e vice-presidente dos Estados Unidos, respectivamente.

Para Maluf, as reformas em operação na programação tiveram efeito em 2020 na mesma medida em que a emissora foi favorecida pelo crescimento da audiência que a TV ganhou nos primeiros meses da epidemia. “Eu diria a você que é tudo junto, não é só uma coisa ou outra. Primeiro viram mais TV e muita gente se permitiu ver o que não conhecia.”

O executivo espera uma nova onda de crescimento neste ano em razão de um novo transmissor trazido da Alemanha e instalado em dezembro. “Estamos atingindo um público maior de TV: são mais de 2,5 milhões de potencial de espectadores ou espectadoras.”

“Isso vem se juntar à reformulação da grade. Fizemos toda uma escada, que vai mudando a faixa etária do público, do infantil até chegar ao horário adulto, para assistir a um jornal como o Jornal da Cultura e aos programas que vêm a seguir, como o Manhattan Connection.”

Nome apoiado por João Doria, como acontece com este cargo em qualquer governo, mas submetido à aprovação do Conselho da Fundação Padre Anchieta, Maluf garante que o governador interfere zero na programação da casa.

Além dos conselheiros da Fundação, um outro grupo de conselheiros convidados por Doria e Maluf no início desta gestão na TV Cultura tem participado de reuniões para aprimorar as áreas de conteúdo, estética, finanças e publicidade. É um time que conta, por exemplo, com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, responsável mais longevo pela hegemonia conquistada pela Globo.

Segundo Maluf, 65% dos recursos da Cultura vêm hoje do governo do Estado. É esforço anunciado por todos os nomes que ocupam a presidência da Fundação Padre Anchieta reduzir a dependência que o canal tem dos cofres públicos, o que Maluf enumera hoje da seguinte forma:
Dos 35% de recursos conquistados fora do orçamento previsto pelo Palácio do Governo, há ainda outros rendimentos públicos de outras ordens, como o trabalho realizado pela Cultura para a TV Câmara e TV Assembleia, a locação das torres de transmissão para a TV Justiça e o uso da TV Univesp, das universidades do Estado de São Paulo, para cursos a distância, o que ocorre no canal 2.2 da TV digital, pertencente à Fundação Padre Anchieta. No canal 2.3 fica a TV Educação, custeada pela Secretaria de Educação do Estado, que durante a pandemia, segundo Maluf,  serviu para atender a 4,5 milhões de crianças no apoio ao ensino à distância.

“Essas operações trazem receita para a Fundação, e também assumimos a administração da Orquestra Jazz Sinfônica Brasil, que tem uma receita que vem do governo do Estado, mas tem receitas próprias também, com apresentações para terceiros.”

A publicidade do setor privado é bem-vinda, mas mais aberta a marcas do que a produtos, centrada no institucional, e não no varejo, antiga restrição adotada pelos conselheiros da Fundação.

Se outros canais não têm a significativa parcela pública que a Cultura abocanha, tampouco enfrentam essas restrições na publicidade, podendo alargar seus faturamentos com a locação de horário para terceiros e uma tonelada de propaganda inserida em seus programas.

Oxalá o crescimento da Cultura inspire os canais comerciais a perceberem que repertório pode valer mais do que shows policialescos, sessões de fofoca e palcos de gosto duvidoso.

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Cristina Padiglione

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