Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Um abismo separa o Brasil atual do país refletido em ‘Avenida Brasil’, há sete anos

Duelo de gigantes: Carminha (Adriana Esteves) e Rita (Débora Falabella) /Reprodução

O Brasil do Divino que a Globo recoloca no ar a partir desta segunda-feira (7), com a reprise da novela “Avenida Brasil” no Vale a Pena Ver de Novo, parecia ser o tal país do futuro de que a gente sempre falou, ou pelo menos de um futuro mais próximo do que parece hoje, apesar dos intermináveis cacoetes de corrupção.

O Divino era a personificação de uma sensação constatada nos bairros de periferia, onde o antigo deslumbramento dos moradores pelas regiões mais favorecidas vinha sendo claramente substituído pelo orgulho do próprio endereço. Na novela de João Emanuel Carneiro, o objetivo dos personagens não era morar na sempre celebrada zona sul carioca, ao contrário: aquelas figuras que idolatravam Tufão (Murilo Benício), herói do futebol nacional, queriam que o Divino tivesse a qualidade de vida do Leblon, mas não queriam ser vizinhos das Helenas de Manoel Carlos.

Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres (Débora Bloch, Camila Morgado e Carolina Ferraz) são o núcleo que só encontrará a felicidade plena depois de trocar a zona sul carioca pela periferia do Divino.

O folhetim refletia uma sensação latente na vida real. Ainda que uma parte da nação já estivesse infeliz com o governo da época, Dilma surfava nos bons números de seu antecessor, com aeroportos lotados, geladeira e celular novos, gente retornando à sua terra por finalmente encontrar chance de viver bem em seu berço.

As históricas manifestações que eclodiriam dali a um ano acabaram por evidenciar mais um sem número de carências a resolver, mas o Brasil de Avenida Brasil guardava uma galeria de personagens mais esperançosa de que o país finalmente estivesse encontrando o seu rumo, sem dispensar a tal cordialidade propagada em seu cartão de visitas.

A pauta de costumes gozava de uma liberdade que nem pensava em censurar filmes, peças ou exposições por questões de gênero ou ideologia. Havia um pudor por parte de quem contestasse orientações e escolhas diferentes das suas convicções. Prevalecia, ao menos na esfera pública, um respeito a religiões, credos, partidos e gêneros. Envergonhadas também eram as tentativas do governo da ocasião de xingar os veículos de comunicação que lhe apontavam falhas ou críticas negativas. Declarações de apoio a qualquer tipo de tortura e ameaças a uma imprensa que não lhe parecia meiga, então, eram ações que nem a mais rasteira obra de ficção ousava cometer.

E nem faz tanto tempo assim. Bastou que meia dúzia de mandantes saíssem do armário para que um exército de pessoas perdesse aquele pudor em parecer desrespeitoso ao pluralismo e às saudáveis divergências de uma democracia.

Oxalá Tufão, Carminha (Adriana Esteves), Suellen, Monalisa (Heloísa Perissé), Murici (Eliane Giardini), Leleco (Marcos Caruso), Rita (Débora Falabella), Janaína (Cláudia Missuri), Zezé (Cacau Protásio), Nilo (José de Abreu), Mãe Lucinda (Vera Holtz), Max (Marcello Novaes), Jorginho (Cauã Reymond), Adauto (Juliano Cazarré), sem falar em José Loreto, Ailton Graça, Otávio Augusto, Débora Nascimento, Letícia Isnard, Mel Maia, Juca de Oliveira e tantos outros que seguiram as linhas do autor possam inspirar dias melhores. Se não aqueles com que a gente sonhava como o retrato ideal do “país do futuro”, ao menos como o país daquele passado, onde a tolerância era claramente maior e o respeito exibia níveis muito mais civilizados.

 

 

 

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