Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Um Lugar ao Sol’: de mocinho sem saída, Christian se tornou vilão sem competência

Cauã Reymond em 'Um Lugar ao Sol': acorda, menino! / Reprodução

A duas semanas do final de “Um Lugar ao Sol”, novela de Lícia Manzo que muito me encanta, já sabemos, e não é de hoje, que o mocinho Christian passou dos limites que justificavam seus pecados. Enquanto a farsa de fingir ser o irmão se mostrava questão de sobrevivência, aceitamos a fraude do gêmeo que se faz passar pelo outro, embora acreditemos seguramente que fugir para o interior de Minas com a namorada seria uma saída perfeitamente possível. E seguramente melhor, como vimos ao longo do folhetim, enquanto os cadáveres deixados por Renato evidenciavam crimes bem mais complexos.

O mocinho era um herói com seus dilemas e dualidades, ora parecendo alguém de natureza boa, ora tropeçando na ambição de conquistar um universo que se apresentava inviável a alguém esquecido em um abrigo de menores, por mais que ele merecesse o seu lugar ao sol.

A luta por manter a farsa foi fazendo dele um patife. Mais que um anti-herói, Christian/Renato passou a dizer a outros as frases escrotas que escutava quando estava do outro lado do balcão financeiro, o dos oprimidos. Tornou-se opressor.

Traiu amigos, chegou a planejar homicídio –ainda que o traste do Túlio (Daniel Dantas) nada valesse, vá lá. E atingiu o nível de vilão, um malvado que se diz de bem, corroborando um discurso que encontra tantos pares na vida real do Brasil atual.

O caso é que Christian não tem competência para ser vilão.

A essa altura, deixou-se enrolar um pouco mais por Stephanie (Renata Gaspar), pobre menina desorientada que, vemos agora, não é apenas uma vítima do ex-marido violento, mas também tropeça, ela mesma, em um caráter que não favorece as chances que a vida lhe dá.

Ao resolver chantageá-lo porque encontrou um vídeo gravado pela falecida Joy (Lara Tremouroux), a manicure endossa o atestado de incompetência dele para o mal. Por que o bonitão simplesmente não riu da situação e descartou o depoimento de Joy, alegando que ela era uma “doidinha” qualquer? Por que Chris não blefou, alegando que essa era uma cisma da moça que nem está mais aqui para se defender?

Stephanie não conhece Ravi (Juan Paiva) nem Lara (Andréia Horta) nem mais ninguém dessa turma. Não tem qualquer ligação com “seu” Renato. Seria mais fácil alimentar a carência dela com um romance clandestino, como acabou fazendo, do que mentir sobre Joy? Francamente, fica difícil dar um voto de confiança ao anti-herói da história.

Túlio e Ruth (Paty Dejesus) morreram com a única prova que havia sobre a dualidade de Christian: as imagens de elevador do prédio onde Renato morava, que mostravam dois Cauãs Reymonds subindo para o apartamento, e depois apenas um deles descendo de cada vez, e um só subindo de volta ao apartamento, ainda sem a tatuagem que Renato ostentava nas costas, depois copiada pelo irmão.

Joy não tinha qualquer prova do que disse no vídeo. Pichadora, era considerada marginalizada socialmente, assim como Stephanie. Quem acreditaria na palavra de qualquer uma das duas? Por que então ceder à chantagem da irmã de Érica (Fernanda de Freitas)?

Sim, a vida também tropeça nas incoerências, e não se pode esperar que Christian/Renato aja com perfeição só porque esse é um enredo ficcional, mas como a vida dele tem plateia muito bem acomodada no sofá, que graça teria se não pudéssemos dar pitaco na história alheia?

Não há redenção possível para o gêmeo rejeitado por Elenice (Ana Beatriz Nogueira).

 

***

A partir desta data, instigada por vários colegas e entrevistados, iniciamos aqui um termômetro do que vale ser visto na tela e do que pode ser ignorado, sempre ao pé de alguma análise de abertura sobre outro tema que mereça ser repercutido, como é o caso da vilania incompetente de Christian, acima.

Aceitamos contribuições, pitacos e também discordâncias, evidentemente. A divergência, desde que tratada com argumentação e civilidade, é sempre bem-vinda ao repertório.

 

  • LIGA
    Antes tarde do que nunca: “O Canto Livre de Nara Leão”, de Renato Terra, é das melhores produções que o GloboPlay já bancou naquela aba de documentários, na qual se incluem, infelizmente, alguns títulos meramente promocionais e caça-cliques por audiência. Não é o caso do doc sobre Nara, rico em depoimentos, imagens e competente na montagem que nos brinda com uma figura digna de ser valorizada na memória da cultura nacional.
  • DESLIGA
    Pior do que não ser criativo é executar mal uma boa ideia. A produção do BBB jogou fora a brincadeira do falso paredão falso para alimentar nos confinados a especulação sobre a possível volta de Jade, eliminada da casa na terça-feira desta semana. A encenação foi tão mal feita, que até quem tinha certeza de que a moça voltaria ao programa sacou, de cara, que se tratava de uma pegadinha. Uma pena, porque a análise combinatória desse elenco já não deu jogo, e em vez de se azeitar, o time vai azedando cada vez mais o show.

 

 

 

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Cristina Padiglione

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