Caso Marcius Melhem gera ingredientes improváveis até para roteiro de ficção
Se fosse uma série ou uma novela, o caso Marcius Melhem, acusado midiaticamente de assediar suas ex-subordinadas na Globo, a obra seria acusada de só funcionar mesmo como ficção barata, de tão inverossímil.
Pouco crível desde o início, em razão de omissões relevantes e versões divergentes, o roteiro em questão vem sofrendo revezes dignos de uma encenação ruim, em que a lógica perde para a fantasia dentro de uma história pretensamente realista. Mesmo enredos como Harry Potter, onde as pessoas usam vassoura como meio de transporte e atravessam paredes, é preciso respeitar a coerência e o hitórico de regras, sem mudanças bruscas no meio do jogo.
Esta semana, Melhem discutiu amplamente, por meio de uma transmissão ao vivo em seu canal no YouTube, a mais recente troca de promotora para o seu caso, apontando cenas de bastidores que fazem deste um “case”, jargão utilizado para designar episódios emblemáticos. Experientes no ramo, os advogados do ex-diretor da Globo atestaram à revista Veja que nunca viram nada igual e prometem uma reação ainda mantida sob sigilo.
Por decisão da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (PGJ-RJ), a produradora Isabela Jourdan Da Cruz Moura foi desingada para atuar especificamente no caso Melhem, sem abandonar a função que exerce atualmente, como titular da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal de Violência Doméstica da área Oeste/Jacarepaguá do Núcleo Rio de Janeiro.
Veja lembra ainda que o caso já passou pelas mãos de três juízes, cinco promotores e quatro delegadas, e Melhem não foi sequer indiciado como réu. Em compensação, tampouco se fala em arquivamento da denúncia até agora.
“A designação de uma promotora para atuar em um inquérito específico de outra promotoria, na qual há um promotor em exercício, viola frontalmente a garantia constitucional do promotor natural”, afirmam os advogados dele em nota enviada à Veja, que é assinada por Ana Carolina Piovesana, José Luis Oliveira Lima, Letícia Lins e Silva e Técio Lins e Silva. “Essa designação especial, sem justa causa, fere princípio fundamental do devido processo legal, na medida em que se está permitindo que o Estado escolha quem vai acusar o cidadão investigado, de acordo com a conveniência da situação. Independentemente da competência e das demais qualidades da Doutora Isabela Jourdan, que não discutimos, isso representa um inaceitável retrocesso que nenhuma causa pode justificar”, completam os advogados.
Segundo a revista, a chegada da nova promotora aconteceu após uma reunião entre Luciano Mattos, procurador geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, e Mayra Cotta, acompanhada de outras representantes legais das supostas vítimas, além de algumas das acusadoras, sob o pretexto de pedir celeridade no processo. Mas a chegada de outra promotora implica justamente o contrário, dada a necessidade de uma revisão de tudo que já foi apresentado até aqui por uma nova integrante da extensa lista de pessoas que estiveram na avaliação do caso.
Na transmissão realizada por Melhem na quarta-feira (12), o roteirista questionou por que esse encontro entre uma das partes do processo e o procurador não foi publicizado como os encontros amplamente registrados por Cotta e as acusadoras em Brasília, com autoridades do governo Lula, lembrando que a advogada foi assessora especial da Casa Civil na época da ministra Gleisi Hoffmann, durante o governo Dilma Rousseff.
Na live, Melhem exibe ainda um depoimento do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que integra a junta de advogados das mulheres que acusam o ex-diretor, em que ele elogia o Supremo Tribunal Federal por defender o arquivamento de investigações que duram “por tempo indeterminado”, “de 2, 3 anos, sem que o Estado consiga sequer fazer a convicção pra fazer a denúncia”. “Hoje, temos um Ministério Público que denuncia com convicção de provas e não por convicção pessoal”, diz Kakay.
A transmissão no YouTube, onde o roteirista vem se defendendo e apresentando provas diante de acusações ou relatos da outra parte, contou dessa vez com a participação de jornalistas, incluindo esta signatária, que fizeram perguntas ao vivo, sem consulta prévia. Melhem chamou o evento como “Live da transparência”.
EM NOME DA CAUSA
Antes de mais nada, endosso que a luta contra o machismo estrutural que acomete homens, mulheres e pessoas de todos os gêneros é cara e demorada, e eu encampo esta bandeira com toda a disposição em admitir erros de toda ordem de entendimento. Todos nós tropeçamos em cacoetes de gerações passadas (e no meu caso, da minha geração mesmo) no que diz respeito a conceitos e pré-conceitos de raça e gênero, com necessidade de correções diárias em cada gesto e fala.
Por isso mesmo é que o julgamento justo, e de preferência sem interferência midiática, seria fundamental em episódios de assédio moral e sexual. Mas a exposição hoje proporcionada pela democratização aberta pelas redes sociais já não permite que qualquer assunto envolvendo figuras públicas fique longe dos pitacos deste grande júri popular criado pela internet.
Dito isso, o caso Marcius Melhem é um prato cheio para a cobiçada audiência de sites e publicações de toda natureza, mas há uma evidente pré-indisposição em ampliar ou publicizar tudo o que possa ser favorável ao sujeito que ousou assediar suas subordinadas quando era diretor de TV, e não de qualquer TV, mas da Globo, vitrine incontestável de sucesso e fama, alimentada por grandes fogueiras de vaidades e egos em seus bastidores.
O mau comportamento lhe custou o cargo e o emprego na Globo. Mas ele foi dispensado com uma nota de agradecimento pelos serviços prestados –o que incomodou algumas de suas denunciantes, que queriam punição maior–, mantendo ainda bom plano de saúde e outros benefícios por mais dois anos.
Um documento emitido um ano após a sua saída e assinado por uma diretora que não ocupava o posto quando ele deixou a casa menciona que ele infringiu o “código de ética” da Globo, sem especificar por que ou o que isso significaria no caso dele.
Recentemente, um documento enviado pela Globo ao Ministério Público do Trabalho, no Rio, conseguido também pela Veja, atesta que não foi possível comprovar práticas que endossassem a acusação de assédio sexual. Tudo andou nessa história, menos os trâmites da Justiça, onde a coisa deveria de fato ser mais rápida.
Não é o caso de “culpar as vítimas”, aqui ainda adjetivadas como “supostas”, já que nada avançou na esfera da Justiça, ao contrário do acelerado roteiro escrito por jornais, revistas, sites noticiosos e redes sociais. Aliás, na esfera jurídica, essa novela estaria entre as piores, dado o vaivém e as chamadas barrigas (jargão para os períodos em que nada acontece na história).
Parece que não há promotor capaz de desatar os nós feitos por relatos que se provaram contraditórios, com omissões relevantes para o caso por parte de quem o acusa, versões divergentes e até inverídicas. “Pode mentir à Justiça?”, questionou Melhem na live.
O ex-diretor tem apontado “mentiras” nos relatos da outra parte, inclusive nominalmente, como é o caso de Dani Calabresa, sem que até agora tenha sofrido qualquer outra ação por difamação, por exemplo. Recentemente, seus advogados deram início a mais uma ação por difamação e calúnia, dessa vez contra o ator Luiz Miranda.
Em vez de contestar as mensagens, áudios e documentos apresentados por ele até aqui, a defesa das acusadoras tem respondido sempre às questões levantadas por Melhem com discursos como “ele quer nos silenciar”, o que não coaduna com a realidade de um caso em que todas as partes envolvidas têm falado livremente, com ampla repercussão na imprensa e em redes sociais.
Da minha parte, tenho ouvido relatos de todos os lados desde a primeira denúncia contra Melhem, quando ele era “apenas” acusado de assédio moral, por supostamente não ter encampado o projeto de Calabresa de refazer na Globo uma versão do extinto “Furo MTV” com Bento Ribeiro. Calabresa foi inclusive o primeiro nome escolhido por Melhem para apresentar o Fora de Hora, programa que sucedeu o “Tá No Ar” em 2020, mas, contrariada com a decisão final sobre o formato, foi substituída por Renata Gaspar.
De todas as versões que ouvi, ninguém conseguiu me sustentar que ele praticava assédio sexual, incluindo Maurício Farias, que voltou a repetir isso ao site Metrópoles recentemente, mesmo tendo várias críticas ao modo de agir de Melhem, com quem criou o “Tá no Ar”.
A não ser que a defesa das acusadoras tenha na manga alguma carta que até aqui permaneceu escondida, as acusações feitas contra Melhem não param em pé. Das oito mulheres que inicialmente prestaram queixa contra ele no Ministério Público, uma não sabia o que fazia ali, como mostra vídeo do depoimento de Débora Lamm, e outra desistiu da acusação, alegando ter sido induzida a engrossar o coro para sustentar as denúncias contra o ex-diretor.
Abaixo, publico link para o vídeo com a live completa de quarta-feira e o canal de Melhem, onde ele confronta outros enredos que aponta serem construídos e combinados pelo lado de quemo acusa, sempre com largo apoio de seus mais de 33 mil seguidores.