Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Chacina da Candelária é resgatada pelo olhar das vítimas em minissérie da Netflix

Pipoca (Wendy Queiroz) posa para foto poucas horas antes da tragédia, em cena de 'Os Quatro da Candelária'. Fotos: Divulgação

No ar pela Netflix, a minissérie “Os Quatro da Candelária” é um enredo ficcional baseado no relato de sobreviventes de um caso que infelizmente é bem menos rememorado do que deveria. Toda atrocidade tem de ser lembrada de tempos em tempos, a fim de reduzir as chances de se repetir. Não é por outro motivo que os judeus fazem questão de recontar o Holocausto por meio de tantos livros, filmes, séries, museus e outras obras dispostas a manter viva a memória daquele horror.

A tragédia da Candelária foi razoavelmente debatida nos meses que se seguiram ao triste episódio ocorrido em 23 de julho de 1993, quando um grupo de matadores descarregou suas pistolas sobre crianças e adolescentes que faziam da escadaria da fachada da tradicional igreja no centro do Rio o seu endereço. Mas a repercussão do caso nunca foi suficientemente discutida, e ao longo de mais de 30 anos, acabou-se “normalizando” o ocorrido, até em função de tantas outras histórias terríveis que foram nos consumindo no dia a dia.

A Netflix faz um bem inestimável ao resgatar a chacina da Candelária, algo completamente ignorado por várias gerações que chegaram ao mundo de lá para cá e até já esquecido por quem viveu a notícia em tempo real.

São quatro episódios que recontam a trajetória de quatro personagens a partir das 36 horas que antecedem o ataque, contextualizando o drama daqueles jovens. Qual era o histórico familiar de cada um que dormia ali? Um assalto a uma fábrica de chocolates une os quatro capítulos, relatado sob o ponto de vista de cada um. O crime se repete em todos os capítulos sob olhares distintos, fazendo do coadjuvante de um episódio o protagonista de outro e alinhavando assim o destino do quarteto.

As horas derradeiras são preenchidas por quem se permitia sonhar, mesmo dormindo ao relento. O espectador só conhece o desfecho de cada personagem no último capítulo.

Oito jovens morreram na ocasião – dois maiores e seis menores – e vários saíram feridos.

Da Candelária ao 174

Sete anos após o caso, o país se viu forçado a lembrar o caso da chacina em razão do sequestro de um ônibus da Linha 174, no mesmo Rio de Janeiro, por Sandro Barbosa do Nascimento. Ele manteve vários passageiros como reféns sob a mira de um revólver, ao longo de cinco intermináveis horas transmitidas ao vivo pela TV.

Morto dentro da viatura da polícia, ao ser capturado, Sandro era sobrevivente da chacina da Candelária. Sua história é contada por José Padilha no filme “Ônibus 174” e sua infância é fator em comum com as histórias agora recontadas na minissérie.

Da infância ao beijo

Lançada com sessão de pré-estreia na Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, a minissérie foi apresentada por seu idealizador, Luis Lomenha, que celebrou sua presença no audiovisual graças a Fernando Meirelles e Kátia Lund. Lomenha é mais um legado do inestimável valor de “Cidade de Deus”, filme que equivale a um divisor de águas na política de diversidade que faltava ao setor e cujo efeito é muito presente em “Os Quatro da Candelária”.

O próprio Meirelles acompanhou a sessão na Mostra, realizada na Cinemateca, sendo produtor executivo da série, ao lado de Roberta Oliveira, Alessandra Nascimento, márcio Hashimoto, Anna Julia Werneck, Mauro Pizzo e Carla Rainho. Lomenha assina ainda a produção, ao lado de Rodrigo Letier, e a direção, com Márcia Faria. O roteiro é de Renata Di Carmo, Luh Maza, João Ademir, Luis Lomenha, Dodô Azevedo, com redação final de Renata Di Carmo, Luis Lomenha e Igor Verde. Elena Soarez prestou consultoria de dramaturgia, e Igor Verde, consultoria de roteiro.

O elenco do quarteto central é formado por Samuel Silva (Douglas), Patrick Congo (Sete), Wendy Queiroz (Pipoca) e Andrei Marques (Jesus). Completam o time: Maria Ibraim (Jéssica), Leandro Firmino (Paulinho), Isabele Vicente (Cristina), Bruno Gagliasso (Jorge), Péricles (pai de Douglas), Maria Bopp (noiva), Adriano Garib (taxista), Marcos de Andrade (segurança), Stepan Necessian (agente funerário), Leandro Santana (apontador), Vinicius de Oliveira (fotógrafo), Antonio Pitanga (ancião), Caco Ciocler (padre), Bela Cameiro (repórter) e Amir Haddad (profeta).

É verdade que a série ganhou projeção nas colunas de fofoca porque inclui uma cena caliente de pegação entre Gagliasso, presente à pré-estreia, e Congo – aliás, outro ponto alto do enredo é a exposição dos  estragos gerados pelo preconceito de gênero.

Patrick Congo, o Sete, e Bruno Gagliasso em cena quente (Divulgação)

Mas “Os Quatro da Candelária” vai muito além desse frisson e vale cada cena de seus quatro episódios, reforçando o conceito de seu idealizador: embora a chacina seja o foco do enredo, é a relevância da infância que se faz latente e merece o olhar atento do espectador.

A produção de “Os Quatro da Candelária” é uma realização da Jabuti Filmes, produtora do próprio Lomenha, e da Kromaki.

 

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Cristina Padiglione

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