Rede diposta a contemplar diversidade no audiovisual ganha plataforma e apoio da Disney
Alô, interessados em contemplar a diversidade que tanto falta por trás das câmeras: o Instituto Criar, com apoio da Disney, vem bancando a iniciativa de uma plataforma onde é possível encontrar profissionais fora do quadrado que por tantos anos restringiu a mão-de-obra da indústria audiovisual a muitos brancos cisgênero, mas a raríssimos negros, indígenas, transexuais e pessoas periféricas e com alguma deficiência.
A ideia atende por Vozes Diversas. Por meio da Rede de Talentos, a proposta abre espaço para incrições e se propõe a formar um grande banco de profissionais capaz de fornecer a contratantes do segmento acesso a perfis e portfólios de mais de 500 jovens formados pelo Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.
O Criar é obra de Luciano Huck, que fundou a instituição em 2003. Trata-se de uma associação civil sem fins lucrativos, com sede no bairro do Bom Retiro, zona norte de São Paulo, que tem como missão promover o desenvolvimento sociocultural e profissional de jovens em situação de vulnerabilidade social e econômica por meio do audiovisual. Mais de 2.600 jovens já passaram pelo Programa de Formação Audiovisual + Tecnologia.
Segundo pesquisa realizada pelo Plano CDE encomendada pelo Criar, mais de 80% dos jovens formados ali estão trabalhando na área. Dois anos após a formatura, o aluno vê a renda familiar aumentar em quatro vezes, em média. O percentual de quem se formou educador a partir dali chega a 21%, levando em conta que nem 2,5% da população sonha em ser professor no Brasil –um dado triste de se anunciar bem no Dia do Professor.
Ainda sobre os formados pelo Criar, 25% abriram uma organização social e 45% fazem parte de um coletivo audiovisual periférico, sendo absorvidos por trabalhos autorais, com autenticidade e revelando o potencial dessa identidade nas novas imagens e narrativas que consumimos.
A ausência de atores negros no protagonismo das histórias estampadas nas telas, do cinema à TV, foi a primeira lacuna percebida pela branquitude dominante a respeito da histórica omissão à diversidade no audiovisual, especialmente em um país como o Brasil, onde a maioria da população é preta ou descendente de negros. Mas logo se notou que ampliar a miscigenação dos elencos não seria suficiente para contemplar a representatividade em falta.
Afinal, o que um roteirista ou diretor branco poderia acrescentar sobre alguns dramas vivenciados exclusivamente por pessoas de outra cor?
A indústria então se deu conta de que seria preciso contar com mais negros em roteiro e direção, postos tradicionalmente ocupados por brancos, sem falar em profissionais atentos à fotografia, maquiagem e figurino. Daí a grande contribuição trazida pelo Instituto Criar.
A essa altura, não vale mais achar que não existem negros capacitados para compor um set. A inclusão ainda é lenta, mas já encontra meios de ser celebrada, e o Criar tem colaborado bastante para tanto, em especial pela projeção alcançada por alguém como Huck.
“Vozes Diversas” é focado na nova geração de contadores de histórias e profissionais do audiovisual, conectando talentos das periferias de São Paulo e Osasco (SP). Mais de 500 jovens formados pelo Instituto Criar integram a Rede de Talentos, fornecendo aos contratantes do segmento acesso aos perfis e portfólios desses profissionais.
A diversidade no audiovisual vai além da representatividade. Por meio da tela, segmentos historicamente relegados a segundo plano geram ações inspiracionais, mostrando às novas gerações que é possível chegar a outros lugares e ocupar outros espaços.
“O audiovisual tem um papel fundamental para enxergarmos coletivamente um mundo no qual todos sejam representados – na frente e atrás das câmeras”, observa Luciana Bobadilha, diretora executiva do Criar. “Ter lideranças diversas nessa indústria contribui para a diminuição das desigualdades sociais e para a construção de um futuro diferente”, conclui.
“Estamos muito felizes dando apoio a essa iniciativa promissora do Instituto Criar, que vai ampliar as oportunidades de emprego para jovens brasileiros talentosos”, comenta Belén Urbaneja, VP de CSR, Corporate Brand Management and DE&I, The Walt Disney Company Latin America. “Essa proposta faz parte do nosso foco de investimento social de Future Storytellers, que promove, através do financiamento de programas, o acesso de jovens de grupos sub-representados a oportunidades de formação em disciplinas relacionadas com a indústria audiovisual. Desta forma, contribui para a formação de uma futura força de trabalho representativa e respeitosa, capaz de continuar refletindo de forma autêntica em conteúdos e experiências a vida das comunidades que compõem os diversos públicos”, completa.
Com mais de 2.600 jovens formados desde sua fundação em 2003, o Instituto Criar convocou uma equipe de seis veteranos para o mapeamento dos ex-alunos. Ao longo de três meses, a equipe se dedicou a convidá-los para a plataforma, disponibilizando informações pessoais e profissionais e áreas de atuação.
O mapeamento evidenciou a diversidade de gênero e raça na população analisada. No espectro de gênero, 47,5% se identificaram como femininos, 47,1% como masculinos e 3,3% como gênero neutro. Dentro desse último grupo, 77,3% são pessoas não-bináries e 22,7% são transgêneres. Em relação à distribuição racial, os resultados foram: 34,4% pretos, 30,3% pardos, 32,4% brancos e 1,8% indígenas.
Uma campanha convidou os veteranos a enviar teasers, trailers ou reels de seus trabalhos #portrasdascameras, resultando em uma campanha nas redes sociais do Instituto Criar.
CONTE SUA HISTÓRIA
Além do projeto Vozes Diversas, a Disney apoia o Instituto Criar por meio de um financiamento para a criação de uma Usina Criativa dentro da organização, para a qual serão adquiridos equipamentos de produção audiovisual que os jovens formados pelo Criar poderão “alugar” gratuitamente para continuar produzindo conteúdo e desenvolvendo-se profissionalmente após a sua formação acompanhados pelos mentores do Instituto Criar.
TELA ESPELHA DESIGUALDADE
Estudo sobre Diversidade de Gênero e Raça divulgado em 2018 pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) apontou as desigualdades dentro do cenário audiovisual brasileiro. Há cinco anos, os homens brancos eram os que ocupavam mais espaço no cenário: 75,4% como diretores e 59,9% como produtores. Mulheres pretas ficaram de fora de diversas categorias. Elas não apareciam nem como diretoras nem como roteiristas. Só figuravamm na lista de produção-executiva, ao lado de mulheres brancas ou equipes mistas equivalendo aos percentuais de 1% e 3%, respectivamente.
Algumas melhoras têm sido tentadas de lá para cá. No ano passado, a APCA, Associação Paulista dos Críticos de Artes, premiaram “Encantado’s”, primeira série criada por duas roteiristas negras na Globo (Renata Andrade e Thais Pontes) como melhor comédia de 2022.
A mesma Globo, maior produtora do país, tem incorporado sistematicamente profissionais negros às equipes de roteiro e direção. “Terra e Paixão”, atual folhetim das nove, promoveu a estreia da cineasta Juliana Vicente (que assina o filme documental “Racionais: Das Ruas de São Paulo para o Mundo” na Netflix) na direção de novelas.
O mercado publicitário também tem cobrado as produtoras e agências de marketing pela presença de negros em cena e por trás das câmeras, a fim de contemplar um público historicamente ignorado nos comerciais, cujo poder de consumo vem crescendo no país. Esse movimento se estende a todos os players – canais de TV e serviços de streaming.
Para romper as fronteiras, derrubar muros, cruzar a ponte e acelerar a criação de um mercado audiovisual mais diverso e plural, vale acessar a Rede de Talentos ou buscar mais informações pelo endereço insercao@institutocriar.org. O mundo pede que horizontes se ampliem.
Como disse o diretor de cinema Mailson Soares, hoje habitante de Los Angeles (EUA), que se formou pelo Criar em 2003 e foi porta-voz do lançamento da plataforma Vozes Diversas ao lado de Huck, no início do mês passado, em evento testemunhado por mim na sede do Bom Retiro, sua trajetória pode ser descrita como alguém que foi “do Capão Redondo a Hollywood”.