Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Série ‘Caçador de Marajás’ desafia roteiristas de ficção

Ascensão e queda de Fernando Collor da presidência é vista sob a perspectiva de sua relação com o irmão Pedro / Divulgação

No ar pelo Globoplay em sete episódios, “Caçador de Marajás” é um prato imperdível. Seja para quem viveu aqueles dias (meu caso), ou para quem só conheceu a história de ouvir falar, é irresistível a ideia de que um enredo improvável tenha se realizado de fato. Se fosse ficção, diriam que o roteirista “pesou a mão”, como afirma o historiador Eduardo Bueno (Peninha) entrevistado na série.

Afinal, o que teria levado um irmão a delatar o outro? A série dirigida e roteirizada por Charly Braun reconstrói a ascensão e queda da Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito por voto direto após 29 anos de ditadura, e relembra não só o que a gente de alguma forma já sabia – o que já seria o bastante para nos entreter, pois nunca é demais refrescar a memória sobre os inacreditáveis episódios que compõem essa história.

Entre fatos já conhecidos e depoimentos inéditos como o de Tereza Collor – a bela cunhada do presidente, casada com Pedro, o irmão delator -, a produção nos brinda com uma montagem primorosa de todo o quebra-cabeças em questão.

Mas a coisa vai além: o script estica o flashback para retratar como era a relação entre os dois desde a infância e como um assumiu responsabilidades empresariais à frente dos negócios da família, enquanto o outro vivia de sedução e glamour, apenas sacando recursos multiplicados pelo caixa da casa.

A jornalista Dora Kramer, que escreveu com Pedro o livro “Passando a Limpo – A Trajetória de um Farsante” – relembra fatos, relatos e contextualiza boa parte do caso, tirando da cartola personagens riquíssimos (do ponto de vista dramatúrgico, que fique claro) de que a gente já tinha até esquecido.

A revista Veja ressurge como peça fundamental na projeção que Collor conquistou em cenário nacional – pela capa que cravou-lhe o título de “Caçador de Marajás”, ideia de benfeitor contra os altos salários do funcionalismo público, e pela capa estampada por Pedro com a entrevista bomba “Pedro Collor conta tudo”.

Ex-diretor de redação da Veja e autor do melhor livro sobre o impeachment de Fernando Collor (“Notícias do Planalto”), o jornalista Mario Sergio Conti também entra em cena com depoimentos esclarecedores para o entendimento do script.

Outros jornalistas que cobiram o período se recordam do clima, das entrevistas, dos bastidores e dos tantos elementos que ajudaram a interromper o mandato do candidato a derrotar Lula nas urnas, em 1989.

Há ainda a mãe de santo, que previu  vitória de Fernando e, mais tarde, sua derrocada. Bate forte a sensação de que o Brasil já foi muito melhor em conselheiros religiosos do que provou a era Bolsonaro.

Pense em todas as especulações que ganharam fôlego no Collorgate e elas estarão abordadas nesses sete episódios: a possível cobiça de Fernando pela cunhada, o sacrifício de animais como moeda de barganha pelo poder, a inveja de Pedro, as relações com a mídia, etc. e etc.

A abertura da série se apóia nos primeiros acordes de um hit daqueles dias, “Pense em Mim”, de Leandro e Leonardo, dupla que, ao lado de Chitãozinho e Xororó e Zezé Di Camargo e Luciano, esteve na Casa da Dinda para uma singela roda de cantoria com o então presidente, sua esposa, Rosane Collor, bajuladores de toda ordem e a vasta entourgage do casal.

Cirúrgica, a trilha sonora sela a qualidade do entretenimento que um dia foi noticiário da maior relevância, sem que o conjunto da obra perca seu maior ativo: é tudo verdade. E é passado fundamental para compreender o presente, de olho no futuro.

Clamo ao leitor que assista. Vale muito a pena.

“Caçador de Marajás” tem produção da Boutique Filmes e da Waking Up Films, com assinatura de Gustavo Mello e Marcelo Campanér.

POR OUTRO ÂNGULO

Para quem quiser conhecer a era Collor por outro viés, fica a dica do filme “Morcego Negro”, nome do avião de PC Farias e do documentário feito por Chaim Lietevski e Cleysson Vidal, com montagem de Lea Van Steen. O longa repassa a incrível trajetória do tesoureiro de Collor, ex-vendedor de carros usados, amante de latim, francês e ópera, um outsider na alta sociedade de Alagoas, que protagonizou CPI, fuga espetacular e acabou morto num homicídio atribuído à então namorada, em sua casa em Maceió.

Quem era, afinal, aquela figura que tirou Pedro Collor do prumo?

O filme, disponível nas plataformas sob demanda de operadoras de TV paga, como Claro e Vivo, e no mesmo GloboPlay que lançou “Caçador de Marajás”, traça um perfil completo de Paulo César Farias,  que arrecadou um punhado de milhões de dinheiros para a campanha eleitoral de Fernando. O pote transbordou a ponto de custear despesas pessoais para as reformas e mimos da Casa da Dinda – de propriedade da família Collor, que o então presidente transformou em residência oficial.

Pela perspectiva dos Collor ou de PC, a sucessão de mortes do “elenco” envolvido na queda de Collor da presidência é só mais um entre tantos alvos de teorias de conspiração. Pedro Collor morreu ainda em 1994, de um câncer no cérebro. A mãe, dona Leda, morreu em 1995, após 29 meses em coma, estado motivado por três paradas cardíacas. A esposa de PC, Elma Farias, morreu de edema pulmonar também em 1994.

Veja a série ‘Caçador de Marajás’ aqui

 

 

 

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