Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Barbie’ incomoda porque convida muitas mulheres a saírem da caixinha

Margot Robbie, nossa super heroína, em cena no filme que gerou desconforto em tanta gente / Divulgação

Por Claudia Campolina

 

O filme da Barbie chocou reacionários. Na internet pipocam “argumentos” de que o filme é uma conspiração global contra os homens, a família tradicional e os valores cristãos.

Discursos anacrônicos sobre supostos papéis de gênero não partem só de homens machistas, mulheres frustradas com a Barbie que viram na telona endossam a machosfera e defendem o boicote ao filme.

Será que há mais por trás de tais argumentos? Acredito que sim.

Primeiro porque, além de sair de uma alienação cor de rosa para se deparar com um mundo real machista, algo que nem a mais fervorosa cristã pode negar, só o que a Barbie faz é se humanizar e reconhecer sua positividade tóxica, o mal que a sua perfeição inatingível causou a mulheres e que os homens para ela eram como mais um dos seus acessórios.

É uma boneca tão autocrítica que reconhece, inclusive, seus erros com o Ken.

Segundo, porque eu duvido que alguma mulher tenha brincado com a Barbie como se estivesse brincando de casinha nos moldes tradicionais.

Por que se revoltaram com o prólogo quando ele só conta que se antes a diversão era brincar de casinha e cuidar de bonecos bebês, com a Barbie as brincadeiras também poderiam ser outras?

Eu nunca vi uma menina colocando a Barbie pra varrer a casa, fazer comida e servir o Ken como acontece quando ele domina a Barbielândia. E olha que estudei em escola de freira a vida inteira.

Quem teve Barbie não brincava de levar “cerveja” pro Ken. Brincar de Barbie não era brincar de ser uma coadjuvante sob da missão do Ken.

A Barbie nunca ficou (sob) embaixo do Ken. O Ken foi criado para a Barbie. Ele veio depois. São fatos.

Entendo que faltou interpretação de texto, acredito que o filme ter se assumido feminista seja um incômodo, já que as pessoas ainda acham que feminista é uma mulher ateia, peluda e que odeia homens, sei que o discurso fanatizado da extrema direita colou porque ele conquista fiéis fomentando pânico e paranóia, mas daí a acharem que um filme de Hollywood, de uma marca e de boneca é uma obra anticristã e antihomem pra destruir heterossexuais e acabar com a humanidade?

Barbie é um filme de jornada de herói. Um típico filme de Hollywood que, quase sempre, foi escrito para protagonistas homens.

Fomos acostumadas a ver mulheres em papéis de mocinhas indefesas que esperavam, do alto de uma torre, os beijos que viriam dos heróis depois deles as salvarem das bruxas e dos monstros.

Como assim a personagem da princesa frágil vira a heroína que vai salvar o mundo, inclusive, de si mesma?

E não só isso, além de transformar o mundo depois de passar pelas 12 etapas da jornada de herói, a Barbie ainda subverte a lógica das histórias que sempre foram contadas para as meninas.

Vejamos: ela não espera por um príncipe, ela não tem nem atração por quem faria o papel de príncipe. Ela “tem cara” de princesa, mas ser perfeita e superficial não é bacana. A inimiga dela não é uma bruxa má, mas homens machistas. A sua madrinha é a Barbie estranha que em nada se parece com uma fada. As mulheres não são inimigas disputando homens. A princesa é criticada por meninas que não veem razão para existir um padrão de mulher irreal. A menina não padrão, hoje já mulher, não só não tem inveja da Barbie, como a salva da alienação. A amizade é mais importante do que um príncipe. Sem a união das mulheres não tem como salvar o mundo dos monstros. As bruxas não existem. A princesa é quem salva o Ken e ainda dá um recado para as aspirantes a princesa na forma invertida “vai se encontrar, você não precisa de mim para ser alguém”. E, pra fechar, o final não é o felizes para sempre porque a realidade é imperfeita e a vida um dia vai acabar.

O filme não destrói a família, ele destrói os contos de fadas que promovem a ideia de que uma princesa depende de um príncipe para ser feliz.

É isso que não suportam, por isso estão indignadas.

Negar a realidade parece mais fácil. Já se acostumaram a ela. Somos ensinadas a acreditar em princesas e seguimos esperando o dia em que seremos salvas, mesmo quando o príncipe é abusivo, machista e nem fechar a tampa de um pote de manteiga consegue.

Eu acredito no amor, mas não preciso de ser salva, ainda mais quando os salvadores são homens de ego frágil que ridicularizam mulheres, que não suportam, nem na ficção, serem objetificados como objetificam, que estão dando um escândalo por terem sido escalados para papéis de coadjuvantes passivos que esperam pela salvação, por não estarem no centro da vida das mulheres e pelo filme mostrar que devemos parar de competir umas com as outras para sermos validadas e escolhidas por eles.

Eles estão com medo da Barbie porque sabem que não há melhor ferramenta de controle e  manutenção do poder do que provocar atritos internos e iludir as pessoas com promessas de paraísos que nunca chegam.

Os mitos precisam ser atualizados de tempos em tempos. As histórias que vamos contar parar as próximas gerações devem refletir nossa evolução. Que bom que tenha acontecido com a Barbie em Hollywood, mas na vida real, vamos precisar não de bonecas, mas de muitas mulheres saindo das caixas.

 

(*) Claudia Campolina, que assina este artigo especialmente para o blog, é atriz e escritora mineira, produtora de 4 webséries em seu Instagram (@claudiacampolina), recheadas de humor e sátiras. Seu sucesso, “Mundo Invertido”, retrata cenários do machismo no cotidiano com uma visão diferente e inversa e já marca de 100 mil visualizações.

A escritora Cláudia Campolina / @claudiacampolina no instagram

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