Cazé celebra trajetória de ‘Gigablaster’ e da indústria de animação no Brasil

Ao concluir um pacotaço de 120 episódios de 15 minutos cada, “Gigablaster” teve suas duas últimas temporadas lançadas no canal Gloob agora em setembro, com eco no GloboPlay, onde a série completa está disponível.
O final dessa trajetória da animação, que somou seis temporadas, coincide com os quase 20 anos da Estricnina, produtora fundada em 2007 por Cazé Pecini, Marco Pavão e Thiago Martins. O trio assina a ciração de “Gigablaster”, que conta com parceria da Copa Estúdios e do Gloob na finalização do produto.
A Estricnina, vamos recapitular, nasceu ainda nos idos da velha e boa MTV Brasil – aquela da gestão da Abril, com sinal aberto – e está entre as primeiras produtoras brasileiras a bancar a realização de animação também para gente grande – quem aí assistia a “Fundêncio e seus Amigos”?
Em 2021, como excelente alternativa para as restrições impostas pelo expediente de gravações na pandemia, o Porta dos Fundos colocou nas mãos da Estricnina a criação do especial de Natal daquele ano, “Te Prego Lá Fora”, que aborda a adolescência de jesus. Pena que o título ainda seja exclusividade do Paramount+, serviço de streaming sem alcance relevante.
Mas o portfólio dos meninos tem estofo – e como tem.
“Gigablaster” atravessa temáticas contemporâneas áridas com sutileza e originalidade. No roteiro, vamos encontrar conversas sobre luto, depressão e mau uso das redes sociais – sempre longe do tom professoral.
O ENREDO
O rinoceronte azul Giga e as crianças Rubi e Ziggy — nomes inspirados nos filhos de Cazé Pecini, Rubi e Iggy – norteiam “Gigablaster”.
Nessas duas últimas safras, o ambiente se deslocou da cidade e do karaokê do Papai Maneiro para o cenário escolar. Na troca, os criadores viram a oportunidade de abordar temas como bullying digital, uso de Inteligência Artificial e uso das redes sociais.
Vieram também novos personagens, como a nova amiga de Giga, Marie. E houve ainda a volta do Japonês Sem Cabeça, tipo emblemático na trama.
Do início ao fim, o enredo contou com uma espécie de supervisão da pedagoga do Gloob. E diante da proposta de localizar as duas últimas temporadas no ambiente escolar, os criadores acharam por bem contratar mais uma consultoria pedagógica para contemplar os temas mais sensíveis ali abordados.
“A gente sempre criava as coisas batendo a bola com o canal e, mais adiante, apresentava para a pedagoga do Gloob. Mas dessa vez tivemos uma pedagoga junto com a gente desde o desenvolvimento, antes de definir mesmo as sinopses”, conta Cazé em conversa com o blog. Carolina Santos, curadora da Bienal do Livro no segmento infantil, foi convocada para a tarefa.
A ideia era encontrar o tão cobiçado equilíbrio entre entreter o público e integrar seu universo, gerando identificação na plateia.
Gigablaster já estreou em Portugal, Itália, Singapura e Israel, e em 2021 foi premiada na categoria Kids TV Séries (7-11 anos) no festival italiano Cartoons On The Bay. Contemporânea de Cazé na velha MTV, Tatá Werneck participou de um episódio ao lado do marido, Rafael Vitti.
HISTÓRICO
Comento com Cazé que sempre me surpreende constatar o fôlego que a indústria de animação ganhou no Brasil em 30 anos. Até meados dos anos 1990, tudo era mato nesse território, e as TVs compravam animações gringas a preço de banana. Os grandes estúdios americanos contavam com uma distribuição mundial farta e os títulos chegavam aqui muito baratos, o que não incentivava os produtores e criadores locais a bancarem suas próprias histórias.
Na primeira metade dos anos 2000, os sócios de Cazé – Pavão e Thiago – fundaram o departamento de animação da MTV Brasil.
“Cresci assistindo Scooby-Doo, A Corrida Maluca, Mister Magu”, lembra Cazé, nascido em 1968. Tinha Tom & Jerry, Pica-Pau, Flinstones, tudo muito bom, mas o país não contava com enredos e traços próprios.
No “Fudêncio”, havia a Funérea, figura animada que entrevistava seres humanos. “Usávamos aquela técnica de gravar no estúdio, depois desenhávamos em cima. E a gente fez também a ‘Megaliga de VJs Paladinos’, que chegou a ganhar o APCA [Associação Paulista dos Críticos de Artes], ainda em 2005, se não me engano.”
Quando a MTV Brasil acabou [2013], o trio já tinha produzido mais de 250 episódios. O canal fechou as portas no Sumaré, mas a Estricnina já tinha CNPJ próprio e seguiu em frente, acompanhando a evolução de uma indústria que se transformou profundamente na última década.
Em 21, quando a produtora se juntou ao Porta dos Fundos para o Especial de Natal “Te Prego Lá Fora”, uma equipe gigante se formou entre desenhistas, roteiristas, diretores, atores e técnicos de som e imagem, endossando o crescimento da animação brasileira.
“Foi um trabalho de muitas mãos juntas, vamos dizer”, pensando em ‘diferentes raças, diferentes possibilidades de caminho, como seria Jesus e os demais personagens”. “A gente comprou todo um lote de fotografias ali daquela região da Mesopotâmia, e em cima disso começamos desenvolver uma série de padrões para fazer a escola, os personagens, e, por exemplo, como seria Sodoma e Gomorra, como seria a charrete ou o camelo. Foi muito muito muito interessante mesmo.”
Como aconteceu na ocasião, o time busca ativamente trabalhar com diretores que não tenham experiência em animação, mas que tenham interesse em fazer desenhos animados. “Porque nós temos essa capacidade, como se nós fôssemos os figurinistas, os cenaristas, enfim, os desenvolvedores de seres humanos para criar aquela história que a pessoa está pensando e visualizando.”
A SEGUIR
Um dos planos da Estricnina para projetos futuros pode aderir à onda cangaceira que tem ocupado as produções de live action no Brasil – vide “Cangaço Novo” (da O2 Filmes no Prime Video) e “Guerreiros do Sol” (dos Estúdios Globo no GloboPlay) e Maria o Cangaço (da Cinefilm, no Disney+). No momento, o trio de criadores concorre a editais para viabilizar o projeto e ensaia outras salas de roteiro de olho na animação que afeta não só as crianças, mas também os adultos – em especial, os adultos que guardam em si as crianças que foram.