Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Legado da MTV Brasil aberta sobrevive dez anos após o seu fim

Cazé conversa com Astrid e Zeca Camargo sobre os primórdios da MTV Brasil em série de videocast / Reprodução YouTube

Entre as tantas mudanças vivenciadas pela indústria do audiovisual neste ano que agora se vai, está a efeméride dos dez anos da nova MTV no Brasil, canal pago sustentado pela Paramount desde 2013. Se não há tantos motivos para celebrar a sintonia, a não ser para os fãs de reality shows de pegação, há razões quase científicas, ouso dizer, para tratar como um marco a primeira década do fim da MTV Brasil original.

Vem daquele canal de sinal aberto, bancado pelo Grupo Abril entre 1990 e setembro de 2013, um legado que merece ser lembrado e preservado.

Em celebração à memória de um celeiro de talentos e ideias que talvez nenhuma  outra TV tenha conseguido alcançar no Brasil sob custos tão modestos desde 1990, o diretor Zico Goes, último comandante da estação, gravou uma série de conversas com os nomes que fizeram a cara e o sucesso do canal da Abril.

Conduzidas por Cazé Peçanha, as entrevistas do Fala VJ começaram por Astrid Fontenelle e Zeca Camargo, que chefiaram e orientaram boa parte dos primeiros VJs brasileiros. Também passaram por lá Sarah Oliveira e Didi Wagner, Marina Person e Chris Couto, Edgard Piccoli e Fábio Massari, Hermes & Renato, Carla Lamarca e André Vasco, Cuca Lazzarotto e Cazé, Fernanda Lima e Max Fivelinha, Mari Moon e Titi Müller, Daniel Benevides, Dani e Rodrigo Leão, Penélope Nova e Léo Madeira, João Gordo e Sabrina Parlattore, Thunderbird e Soninha, sempre em pares.

As edições estão disponíveis no canal do Terra, parceiro da empreitada, no YouTube. Revisitadas hoje, as façanhas da época ganham outra leitura, que nos permite enxergar com clareza as várias inovações plantadas por aquele time. A conversa com o pessoal do Hermes & Renato, por exemplo, é toda permeada pela sensação de que os caras estavam fazendo algo diferente, sem muita noção do futuro que aquilo teria para outras gerações.

Mesmo quando os ex-VJs se lembram de comportamentos hoje inadmissíveis, à época tratados com normalidade, prevalece a certeza de que tudo tinha razão de ser. O que temos hoje, afinal, é resultado de tantas tentativas de acertos, eventualmente frustradas, do nosso passado.

Astrid e Zeca lembram das primeiras noções que tiveram sobre o canal, das fitas VHS que davam uma ideia do que era a MTV americana. Para as gerações habituadas a encontrar uma fartura de videoclipes e shows no YouTube, soa quase como um planeta de dinossauros a lembrança de Soninha sobre o quanto era raro encontrar videoclipe na TV antes da chegada do canal.

E há, evidentemente, em todas as entrevistas, um arsenal de revelações inéditas, bônus que não tem preço para quem acompanhou toda aquela trajetória.

A desgraça da MTV da gestão Paramount (ou Viacom, como antes era chamado o conglomerado internacional dono da marca) é que a precursora da marca foi um dos canais mais bem-sucedidos da história da TV num país obcecado por televisão.

Relegada a uma pequena plateia em função de sua sintonia no chamado sistema UHF, segmento à margem do VHF onde estavam as grandes redes – Globo, SBT, Record, Manchete, Band e afins -, a MTV Brasil foi, como costumo dizer, a TV de nicho que ditou tendências para a TV de massa.

Além dos já citados, lá nasceram ou se criaram talentos como Tatá Werneck, Marcelo Adnet, Dani Calabresa, Marina Person, Sarah Oliveira e o próprio Cazé. Marcos Mion e João Gordo se descobriram apresentadores dentro daquelas arestas libertárias, onde todo mundo era incentivado a sair da caixinha. Zeca Camargo se fez gente de TV também naqueles estúdios, que, não ao acaso, ocupavam o quarteirão mais televisivo do Brasil, que deu origem à TV Tupi e era coabitado pelo SBT e pela ESPN Brasil na mesma época, no Sumaré.

A saudosa MTV Brasil encerrou sua última transmissão ao vivo no dia 30 de setembro de 2013, com uma celebração que eu tive a sorte de testemunhar in loco. A festa atraiu boa parte das estrelas que lá se fizeram. Era um tal de arrancarem plaquinhas de corredores e estúdios para carregarem como souvenir. Era gente subindo e descendo pelas estreitas escadarias do então Edifício Victor Civita (nome do fundador do Grupo Abril), numa movimentação de abraços, beijos, lágrimas e cervejas. Era um vaivém entre o prédio e a Real, em busca de comes e bebes pagos pelos presentes mesmo, nada de boca livre. Àquela altura, como se pode imaginar, o fechamento da emissora era um sinal óbvio de estrangulamento financeiro.

O fato é que aquelas pessoas todas tratavam a ocasião como uma verdadeira ocupação do espaço que lhes cabia e que sempre lhes caberá na história do audiovisual no Brasil. Quando nos demos conta, estávamos todos na calçada diante da Pizzaria Real e do edifício sede, gritando a plenos pulmões os números da contagem regressiva que confirmava o fim do canal, à meia-noite.

Fato é, e muita gente já fez essa avaliação, que a MTV Brasil foi sucumbindo a partir da chegada do YouTube, e é claro que a nova MTV jamais poderia repetir ou chegar perto do que sua antecessora construiu, num outro tempo, bem diferente do que passaríamos a ter com o streaming.

Mas é incompreensível que a MTV paga não tenha absorvido parte valiosa do legado deixado pelo canal da Abril, como os geniais shows acústicos que nos deram obras-primas de Titãs a Roberto Carlos, de Cássia Eller a Moraes Moreira e Gilberto Gil. Tampouco entendo não terem aproveitado o engajamento e gigantismo representado pelo VMB, a festa do videoclipe nacional, que sempre deixou o Prêmio Multishow no chinelo, a morrer de inveja de suas ousadias.

Muito do que deixou de ser feito pela nova MTV sempre me pareceu um meio de a Paramount/Viacom buscar firmar o canal sob sua própria identidade. Essa não teria sido, penso eu, a vontade de Tiago Worcman, executivo escalado para assumir o barco a seguir. O que é bom deve ser replicado e estendido enquanto houver fôlego.

Não que eu queira aqui fazer a saudosista, ao contrário: só queria mesmo que as novas gerações pudessem ter acesso a iniciativas como os Acústicos e os VMBs, evento tão superior às premiações hoje realizadas pelos canais da Paramount.

No rastro deste 31 de dezembro, torço para que esse rico legado inspire talentos de todas as telas.
Feliz 2024 a todos!

 

 

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Cristina Padiglione

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