Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Reivindicação por direitos autorais e de imagem alcança união inédita no Brasil, mas é preciso mais

Imagem do site da Dumela Filmes / Divulgação

Enquanto os Estados Unidos enfrentam greve de roteiristas e atores para discutir uma remuneração mais justa pela exibição em looping de suas imagens, canções e histórias nos serviços de streaming, inclusive emprestando seus rostos já para a Inteligência Artificial (I.A.), que se abastece também do repertório original de criadores para reproduzir scripts em modo robô, no Brasil a coisa está bem mais atrasada.

E bote atrasado nisso.

Falta à classe sobretudo um sindicato forte, uma união como aquela que permite ao sindicato de artistas nos EUA conquistar melhorias necessárias de tempos em tempos. Mas a discussão em torno do Projeto de Lei nº 2370, base de rediscussão para a elaboração de texto substitutivo, tem promovido uma união jamais vista no Brasil entre as categorias que alimentam a indústria do audiovisual por aqui.

Até agora, no entanto, não houve acordo para a votação da PL, não em função de rachas na classe artística, mas, como é comum, entre empregados e empregadores.

Uma lista de entidades assina nota distribuída à imprensa na semana passada, informando que não houve consenso em relação ao projeto que reivindica remuneração dos “direitos autorais para artistas, autores, compositores, intérpretes, roteiristas, diretores e produtores de obras audiovisuais e de música na internet”.

Essa é uma remuneracao já paga em vários países, como Argentina, Colômbia, Chile, Espanha, França e México, só para ficar em meia-dúzia de bandeiras. O Brasil é o país onde mais se consome vídeos no mundo, daí o interesse das plataformas internacionais nesse território, em descompasso com o que é pago a artistas e criadores aqui, e mesmo a produtores.

Além das gringas gigantes – Meta, que concentra o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, e Google, que encampa YouTube -, a Globo, que bate no peito para se autoproclamar o streaming do Brasil, formam os principais adversários ao PL em seu formato atual. O GloboPlay despejou uma tonelada de títulos de seu acervo na plataforma de streaming da casa, e esse é o principal pomo de disórdia da empresa da família Marinho.

O projeto prevê inclusive uma remuneração mais justa por conteúdo jornalístico, segmento que enfrenta uma crise sem precedentes – entre outros motivos, porque reportagens são compartilhadas livremente nas redes sociais, sem que as big techs paguem por elas qualquer centavo investido pelas empresas em sua produção, e falo com conhecimento de causa. Quando se compartilha um texto da Folha, do Estadão ou do Globo no Twitter ou no Facebook, não falta quem se queixe de que o conteúdo só poderá ser aberto mediante pagamento de assinatura.

Sim, jornalistas também comem e pagam boletos, e mesmo onde a publicidade os remunera por princípio, como no caso de uma TV aberta, salário é indispensável.

Mas, para a Globo, o que ela terá a receber por cesssão de conteúdo jornalístico poderá ser inferior ao que terá de desembolsar para pagar por direitos de exibição e execução a atores, músicos e roteiristas creditados em uma extensa lista de obras disponíveis no catálogo do GloboPlay.

No vaivém das discussões, mais de 30 versões foram criadas para a PL.

A Globo pode alegar que incluiu dezenas de produções antigas no seu serviço de streaming, sem contudo ter aumentado o custo de assinatura para o consumidor. Em compensação, a ampliação dessa lista tem sido forte elemento na propaganda do serviço para atrair novos pagantes por seu conteúdo.

O grupo dos Marinhos tenta ao menos assegurar que uma eventual nova legislação não englobe obras do passado, o que a obrigaria a pagar, ainda que fossem centavos a cada um, por cada exibição em sua plataforma de streaming. O catálogo inclui obras até a década de 70, produzidas sob cláusulas contratuais que jamais poderiam prever algo como a TV everywhere, que se ve onde e aundo se quer, o que seria, para a época, um exercício dee futurologia que nem os “Jetsons” imaginavam.

A Globo alega que os criadores envolvidos em uma obra disponibilizada por ela via internet já são remunerados por isso por ocasião de seu lançamento, mas isso só vale para produções mais recentes. E o que se reivindica ainda é o pagamento por número de exibição de cada título.

Diante dessa queda de braço, e da histórica habilidade da Globo em trabalhar por seus interesses junto ao poder legislativo de Brasília, seria possível aos artistas terem alguma esperança?

Paula Vergueiro, advogada da Gedar – Gestão de Direitos de Autores Roteiristas – é otimista: “Vamos continuar negociando. A briga pelo direito de remuneração a exibições é antiga no Brasil, mas hoje está respaldada por vários países que já têm esse direito instituído. Mais dia, menos dia, esse direito tem que chegar ao Brasil. Nos outros países também não foi fácil”, lembra.

Em franca campanha por um dispositivo que garanta remuneração a artistas a partir de cada veiculação de sua imagem e obra, nomes como Roberto Frejat, Marisa Monte, Glória Pires e Caetano Veloso justificam que não brigam por eles, mas sim pelos profissionais normalmente mal remunerados e muitas vezes esquecidos pelo tempo, como compositores e atores hoje desprezados pelos holofotes, que vivem em confições precárias enquanto suas obras e imagens alimentam o caixa das plataformas digitais.

O projeto original é da deputada Jandira Feghali (PCdoB-SP), mas a relatoria é do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA). Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Porgrassitas-AL) disse que só colocará o projeto em votação quando houver consenso entre as entidades.

Confira abaixo as cartas de defesa e repúdio ao projeto assinada por entidades do audiovisual:

A FAVOR DA REMUNERAÇÃO POR CADA EXIBIÇÃO:

“Nós, profissionais trabalhadores do setor artístico da música e do audiovisual representado pelas entidades abaixo assinadas, vimos a público informar que, infelizmente, não houve acordo em relação ao texto do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2370, de 2019, que previa remuneração dos direitos autorais para artistas, autores, compositores, intérpretes, roteiristas, diretores e produtores de obras audiovisuais e de músicas na internet.

Adiou-se, assim, a correção de uma enorme e persistente injustiça praticada pelas plataformas, que não remuneram adequadamente os artistas pela exploração de suas obras na Internet.

Isso ocorre apesar dos imensos lucros obtidos a partir da audiência gerada pela disponibilização e pela visualização das obras que criamos
e de que participamos. Estamos há três meses em negociações de boa fé com empresas radiodifusoras – que também atuam como plataformas na internet – representadas por grandes grupos econômicos da TV aberta no Brasil e suas entidades representativas (ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e ABRATEL – Associação Brasileira de Rádio e Televisão).

O setor artístico lamenta profundamente a intransigência das empresas de radiodifusão nesta negociação. Lamentamos também a resistência destes setores empresariais em reconhecer este direito constitucionalmente assegurado, o direito dos artistas e criadores a serem remunerados pela exploração econômica de suas obras na janela digital.

Esta intransigência prejudica todo o setor artístico e cultural, mas também o próprio jornalismo, incluindo veículos de imprensa que não atuam como plataformas e os profissionais trabalhadores do setor, uma vez que a remuneração do jornalismo por plataformas também consta do Substitutivo cuja aprovação segue bloqueada.

Por fim, reafirmamos que seguimos abertos ao diálogo. E reiteramos que seguiremos avançando, independentemente desta negociação e com ímpeto ainda maior de mobilização, na organização coletiva do setor. Alcançamos, nos últimos meses, inédita união dos setores da música e do audiovisual no Brasil e NÃO VAMOS DESISTIR desta luta por direitos.
16 de Agosto de 2023″

Assinam:
ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas
ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas do Rio de Janeiro
ABRAMUS – Associação Brasileira de Música e Artes
APACI – Associação Paulista de Cineastas
APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro
API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
APRO – Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais
APS – Associação Procure Saber
ASSIM – Associação de Intérpretes e Músicos
BRAVI- Brasil Audiovisual Independente
Coletivo 342 Artes
CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste
DBCA – Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual
FAMES – Fórum Audiovisual Minas Gerais, Espírito Santo e Sul
GAP – Grupo de Apoio Parlamentar
GEDAR – Gestão de Direitos de Autores Roteiristas
Interartis Brasil – Associação de Gestão Coletiva de Artistas Intérpretes
+ Mulheres lideranças do audiovisual brasileiro
Musimagem – Associação Brasileira de Compositores de Música para Audiovisual
SATED – SC – Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de Santa Catarina
SIAESP – Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo
SIAPAR – Sindicato da Indústria Audiovisual do Paraná
SIAV – Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul
SICAV – Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual
Sindcine – Sindicato dos trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do
Audiovisual dos Estados de SP RS MT MS GO TO DF
SindMusi RJ – Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro
SANTACINE – Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina
SINTRACINE – Sindicato dos Trabalhadores do Cinema e do Audiovisual de Santa Catarina
STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual

 

CONTRA A REMUNERAÇÃO POR EXIBIÇÃO
(Carta da Abert e Abratel contrária ao projeto)

“A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABRATEL), considerando a repercussão sobre os debates do Projeto de Lei 2370/2019, que estabelece regras para a disponibilização de obras protegidas por direitos autorais na internet, em tramitação na Câmara dos Deputados, vêm a público informar e esclarecer:
O projeto de lei em questão, dentre outros assuntos, pretende estabelecer uma nova remuneração à classe artística pela comunicação pública de obras audiovisuais na internet, com a criação de um órgão de gestão coletiva, a ser por ela administrado, para a fixação do preço, arrecadação e distribuição desta remuneração.

Atualmente, quando uma obra audiovisual é disponibilizada para acesso na internet, os contratos celebrados entre a classe artística e as emissoras de radiodifusão já preveem uma remuneração, não tendo que se falar, hoje, em ausência de pagamento ao artista.

Entretanto, a classe artística pretende receber esta nova remuneração por obras audiovisuais produzidas no passado, cujos direitos autorais e conexos para a disponibilização na internet já foram previstos e/ou pagos pelas emissoras e a cessão de direitos permanece vigente.

Nesse contexto, conforme já informado em outras oportunidades à classe artística e ao Congresso Nacional, o setor de radiodifusão esclarece publicamente que não se opõe ao reconhecimento desta remuneração autoral de obras na internet. Entretanto, as signatárias compreendem que referido direito deverá respeitar os contratos já pactuados e que estejam em vigor, assegurada também a possibilidade da gestão e cessão individual de direitos pelos artistas, se assim o desejarem, conforme prevê a nossa Constituição Federal.

Obviamente, como em qualquer outra atividade econômica, uma nova legislação de natureza privada deve projetar seus efeitos para o futuro, alcançando as novas relações jurídicas, em respeito aos princípios constitucionais da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito.

As entidades signatárias destacam, ainda, que participaram de todas as reuniões, interações e negociações que foram convidadas e assim procederão em respeito ao diálogo e à construção de soluções conjuntas.

As signatárias lembram, por fim, que a radiodifusão é o setor que mais investe na produção de conteúdo audiovisual brasileiro e, em conjunto com a classe artística, têm laços indissociáveis na missão constitucional de promover a cultura nacional e regional.”

Assinam a nota, apenas duas instituições, mas cujo poderio econômico é incontestável:
ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
ABRATEL – Associação Brasileira de Rádio e Televisão

As cartas estão lançadas. Essa é uma discussão de longo prazo, que pede persistência e resiliência para que o debate não seja engavetado.

 

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Cristina Padiglione

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