Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Gilberto Braga em foco: ‘O Balzac da Globo’ vale a leitura e faz jus ao biografado

O autor Gilberto Braga em seu apartamento / Alex Carvalho/Canal Viva

Alcides Nogueira – dito Tide entre seus pares e profissionais de dramaturgia – conversará com Mauricio Stycer na noite desta terça-feira (20), quando autografa, em São Paulo, a biografia de Gilberto Braga, “O Balzac da Globo” (Ed. Intrínseca). O encontro começa às 18h30 na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, na Vila Madalena.

Admirador de Gilberto, Tide assinou novela com ele – ” A Força de Um Desejo” (1999-2000). E também foi invejado pelo amigo, quando “I Love Paraisópolis”, novela exibida na faixa das 19h30, escrita por Tide e Mario Teixeira, chegou a ter mais audiência que “Babilônia”, o folhetim de Gilberto, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga apresentado na mesma época, na vaga nobre das 21h da Globo.

Normalmente, novela das nove tem mais audiência que das sete, até em função do número de televisores ligados às 21h, superior ao índice das 19h. Mas “Babilônia” sofreu vários revezes e por seis anos foi a trama das 9 menos vista da Globo desde a ascensão da emissora dos Marinhos, em 1970.

O desabafo de Gilberto sobre “Paraisópolis” aconteceu em uma entrevista invejável (agora digo eu) que Zean Bravo fez com o autor para o jornal O Globo durante os percalços enfrentados por “Babilônia”, última produção inédita do brilhante autor de “Vale Tudo”, “Dancin’Days”, “Água Viva” e outras tantas histórias.

Para ser honesta, o termo citado por Gilberto não foi propriamente inveja. Disse ele, textualmente: “Até agora eu sofro a humilhação pública diária de perder para a novela das sete, ‘I Love Paraisópolis’.”

A ótima entrevista a Zean é citada no livro em um capítulo todo dedicado a “Babilônia” e às drásticas (e desastrosas)  mudanças operadas pela direção da Globo na novela, a fim de reverter sua baixa audiência. A reforma, como se sabe, não trouxe novo público e afastou quem gostava daquele enredo.

Sincero como ninguém mais conseguiu ser no seu métier, Gilberto transbordava autocrítica e despertava os melhores risos entre amigos e colegas ao confessar frustrações como esta, principalmente por ser tão reverenciado como era.

Vinda de quem vinha, a percepção de “humilhação” só poderia soar como elogio aos autores das sete, sem deixar de reconhecer uma derrota às nove. Mas não uma derrota propriamente de Gilberto, e o livro discorre com propriedade sobre os desencontros, alheios à vontade dos autores de “Babilônia”, que pavimentaram o insucesso da ocasião.

“O Balzac da Globo” começou a ser construído pelo jornalista Arthur Xexéo e foi herdado por Stycer ainda sob a bênção do biografado, que morreu pouco depois de Xexéo, em outubro de 2021. Em 326 páginas, Stycer e Xexéo nos contam por que Gilberto foi peça essencial para que a TV brasileira se transformasse em uma das melhores do mundo a partir das novelas da Globo. Não que o propósito da narrativa seja este, mas ao conhecer todos os trâmites que norteiam os caminhos do autor o leitor entenderá o porquê dos êxitos que edificavam números de audiência e faturamento publicitário.

A desvantagem da leitura é perceber como o sarrafo do padrão de qualidade, tão alto até alguns anos atrás, vem perdendo fôlego vertiginosamente, especialmente no quesito ousadia.

O livro vale cada linha.

Mesmo para quem não é lá muito fã de televisão, o que está longe de ser o meu caso, a obra traça um painel que nos permite contemplar as razões do apreço que o brasileiro nutre pelo gênero – desde que o seu criador tenha repertório e habilidade para contar uma boa história. Feitos de diálogos afiados, os enredos de Gilberto Braga se deliciam com os pecados da elite, mas não a restringem a clichês negativos. Tampouco santificam a classe operária, embora os tropeços dos menos abastados sejam sempre mais justificáveis.

Xexéo e Stycer esmiúçam segredos de bastidores que pesavam no resultado final de cada produção, revelam trocas nas ideias e escolhas referentes a escalações de elenco e temáticas, contextualizam sucessos e fracassos com elementos pessoais e profissionais. A própria vida de Gilberto renderia uma novela e tanto, istigante e nada óbvia, como mandam os folhetins que, cada vez mais raramente, nos surpreendem.

Compreender o efeito que as novelas tiveram – e ainda têm, embora em proporção menor – no comportamento dos brasileiros, trilhando os títulos de Gilberto Braga, é entender muito da nossa gênese e da dissimulação que pauta a apatia por vezes predominante numa classe média ressentida. Do direito civil em uniões homoafetivas ao questionamentdo da honestidade, o autor se fartou de botar o dedo em grandes feridas.

“O Balzac da Globo” entrega com maestria todas as sutilezas do biografado, um dos melhores entrevistados que eu tive o prazer de ter.

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Cristina Padiglione

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